"O colapso da barreira de diques que protege Porto Alegre não se deu apenas pela força das chuvas. As partes móveis e as bombas estavam sem manutenção"

crédito: Mauricio Tonetto/Secom

A tragédia no Rio Grande do Sul não pode ser esquecida quando deixar de ser notícia. Hoje ela ainda nos assombra e entristece pela rapidez, violência e duração das enchentes que destruíram cidades em todo o estado. As principais vítimas são as populações mais pobres, como as da Zona Norte de Porto Alegre.

 

Estamos no tempo dos “novos normais”. O ano de 2023 pode ter inaugurado um novo patamar em frequência e intensidade de eventos climáticos extremos. O climatologista americano, Michael Mann, publicou artigo dizendo os países na rota de furacões devem se preparar para furacões nível 6 na escala Saffir-Simpson, que vai a 5.

 

Quando eventos climáticos extremos encontram o ambiente construído pelos humanos viram tragédias. São tragédias socioclimáticas porque resultam do aquecimento global causado pelo ser humano e porque só viram tragédia ao atingir a sociedade humana. Essas tragédias socioclimáticas mataram em torno de 24 mil pessoas em todo o mundo no ano de 2023.

 

E continuam a matar no primeiro semestre de 2024. Em 2023, houve 240 eventos climáticos registrados no banco de dados sobre riscos e danos de desastres. O principal desastre foi a devastadora enchente na Líbia, causada pela tempestade tropical Daniel. Enchentes na Europa, mataram 200 pessoas. Tempestades, furacões, tornados, deslizamentos, enchentes e secas atingem o ambiente construído pelos humanos e, neles, principalmente, os mais pobres. Os mais ricos também são atingidos em menor escala e têm maior capacidade de recuperação e adaptação.

 

No Rio Grande do Sul, a inundação tomou cidades e ocupou suas ruas muito rápido. Mal deu tempo dos moradores fugirem com a roupa do corpo. A fúria das águas demoliu bairros inteiros, em algumas cidades, destruíram quase todos os bairros. Enchente e enxurrada foram provocadas por ondas gigantes de água despencando das cabeceiras pelos estuários rumo ao desaguadouro Guaíba. Elas buscam o mar por meio da Lagoa dos Patos e estreito canal. A topografia ajudou o represamento das águas. Mas, ela não explica o volume e a intensidade. Estes, estão associados à presença simultânea de ciclones extratropicais, frentes frias e ondas de calor.

 

Todos esses eventos climáticos foram intensificados pelo aquecimento do oceano, pelo derretimento das geleiras na Antártica e pela mudança climática gerada pela elevação da temperatura média do planeta que, em 2023, foi de 1,5ºC, o limite estabelecido no Acordo de Paris. Na média firme, que define o patamar de aquecimento, estamos em 1,2ºC. No ano passado, os cientistas constataram que todos os oceanos do planeta estavam com temperaturas acima da média ao mesmo tempo. Um fato surpreendente e sem precedentes e muito preocupante, que pode contribuir para desestabilizar todo o sistema de equilíbrio climático das correntes marinhas.

 

O Brasil e o mundo não estão fazendo o suficiente para reduzir as emissões de gases estufa que causam o aquecimento global, nem para prevenção de desastres socioclimáticos. Pior, o Congresso brasileiro tem uma pauta-destruição que contribuirá decisivamente para agravar os desastres socioclimáticos no país e no mundo. Parlamentares que se julgam no direito de serem totalmente irresponsáveis pela segurança coletiva e só pensam no mesquinho interesse de curto-prazo. Esta pauta-destruição contém 25 projetos e 3 PECs que desmontam todo o sistema de proteção ambiental. Esta semana, o Congresso derrubou o veto presidencial, à lei de agrotóxicos, entregando o controle ao ministério da Agricultura, que representa os interesses dos que abusam de venenos na produção do alimento que vem do agro.

 

O colapso da barreira de diques que protege Porto Alegre não se deu apenas pela força das chuvas. As partes móveis e as bombas estavam sem manutenção, várias não fecharam e outras se soltaram. O governador Eduardo Leite desmontou o arcabouço de proteção ambiental estadual, a pretexto de conciliar desenvolvimento e proteção ambiental. O desenvolvimento que depende de destruição ambiental não é progresso, é regresso.

 

O pior é que nas convenções do clima, as COPs, não haverá um “novo normal”. Normal continuará sendo discursos enfáticos sobre a necessidade de políticas ambiciosas de redução das emissões e financiamento para os países mais pobres se adaptarem e decisões finais pelo mínimo denominador comum. Resultado, os governos continuarão fazendo menos do que o necessário e a mudança climática avançará. Mais do mesmo significa tragédias socioclimáticas cada vez mais violentas.