O segundo turno na França, neste domingo, foi a maior surpresa de todas, disse o colunista político Alan Duhamel. O líder da extrema-direita, Jordan Bardella, viu a vitória escorrer pelos dedos como pérolas de mercúrio após ter ganhado o primeiro turno. Reagiu raivosamente, “venceu a aliança da desonra”. Mas a única desonra foi para seu grupo. A coalizão da esquerda decidiu se unir à centro-direita de Macron, numa aliança republicana raríssima para derrotar a extrema-direita, renunciando às candidaturas menos competitivas, e foi a mais votada. Macron tem uma chance de ouro, oferecer o cargo de primeiro-ministro à Nova Frente Popular para uma coabitação republicana, na qual ele cuidaria da política europeia e global e a esquerda trataria de encontrar soluções domésticas para os problemas do povo. Seria um desafio para ambos, assegurar a estabilidade da coabitação e encontrar uma fórmula de consenso para a migração.

No Reino Unido, Keir Stammer mostrou ter captado o espírito da época. Ele falou do desapontamento, da frustração e da necessidade de mudança e que a falta de confiança se combate com ações, não com palavras. Usou o mantra dos tempos “I will deliver”, eu vou entregar. Os Trabalhistas ficaram 13 anos no poder, 1997-2010, embalados pelas promessas da Terceira Via de Tony Blair. Foram rebaixados a observadores por 14 anos. Permaneceram na sombra enquanto insistiram nas velhas ideias, com Jeremy Corbyn na liderança. Keir Stammer entendeu o descrédito popular, mudou o partido para falar com o povo britânico em linguagem nova. Ganhou de lavada. Agora, é saber se manterá o apoio obtido nas urnas. Havia uma grande quantidade de votos não-Trabalhistas a seu favor.

Nos Estados Unidos, Trump e Biden teimam em não dar a novas lideranças a chance de experimentar soluções diferentes. Os dois foram testados e rejeitados por 60% da população. Nos estados mais críticos, que decidirão a eleição, Biden não convenceu quem votou nele em 2020. Trump não convence os eleitores independentes, menos ainda os Democratas frustrados com Biden.

Fala-se na onda de extrema-direita que ameaça derrubar as democracias. É como se a extrema-direita fosse protagonista de um destino inexorável. Mas ela não é. É um sintoma. Ficou no limbo, desde o horror produzido por seus avós fascistas e nazistas, na Segunda Guerra, e pelo stalinismo que sufocou o sonho socialista em feroz ditadura de 1927 a 1953. Observando a crescente disfuncionalidade das democracias, a extrema-direita saiu da obscuridade e conseguiu captar os sentimentos negativos, de rejeição da política e dos governos que não atendem mais ao povo. Capturou as redes digitais, desprezadas pelos que estavam no poder. Mas não é determinístico. No Reino Unido, a esquerda fez a maioria e na França, a primeira minoria.

É o fracasso dos velhos modelos de política e das velhas soluções de políticas públicas, em descompasso crescente com as necessidades do povo, que elege os contra. O Reform, antigo UKIP, de extrema-direita, fez poucas cadeiras, mas foi segundo colocado em muitos distritos, deslocando os Conservadores e facilitando a vitória Trabalhista. O Rassemblement National de Marine Le Pen e Bardella, ganhou o primeiro-turno e cresceu no parlamento. Essa extrema-direita não deve ser subestimada. Mas ainda não mostrou ser capaz de permanecer no poder nas democracias dominadas pela insatisfação popular, sem transitar para a autocracia.

O Pew Research Center, pesquisando 24 democracias, revelou que a mediana das pessoas que não acreditam que os políticos cuidam do povo é de 74%. No Brasil, é de 76%, na França, 74%, no Reino Unido, 70%, nos EUA, 83%. A questão fundamental é que, há muito, o voto é de frustração com a incapacidade dos governos, e da democracia, de oferecer soluções para as necessidades do povo. Nos Estados Unidos, os dois candidatos, Trump e Biden não satisfizeram, por isso Trump não foi reeleito e Biden arrisca perder, se insistir na candidatura. Foi por ter falhado totalmente que Bolsonaro não se reelegeu. A extrema-direita cresce, pode vencer, mas não tem capacidade para responder às necessidades do povo porque é excludente e racista.

A democracia vive de políticas públicas que dêem soluções aos problemas do povo. É de onde tira sua legitimidade. Já as más políticas públicas derrubam governos. É a incapacidade de inovar, entendendo as novas necessidades do povo em um mundo em transformação, que alimenta o voto dos contra.




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