A transição da Venezuela da autocracia para um novo ciclo democrático é mais complexa do que simplesmente reconhecer a vitória da oposição, como fez o governo Biden. Também era insustentável a posição inicial do presidente Lula, na entrevista à à TV Centro América, afiliada da TV Globo em Mato Grosso, ao dizer que nada de grave havia se passado na Venezuela. A eleição teria sido pacífica, a oposição poderia apelar para a Justiça ou para o Conselho Nacional Eleitoral e pedir verificação dos votos. Acertou ao pedir que Maduro divulgue as atas e que sua veracidade possa ser verificada.
Faz bem mais sentido a nova posição adotada pelo governo brasileiro, em combinação com os governos da Colômbia e do México. Pode ser o começo da solução. Mas demandará uma série de procedimentos e não há garantia alguma de que serão aceitos por Maduro. Lula disse, na entrevista, que era preciso deixar a Venezuela cuidar do impasse. Ele sabe que não há paridade de armas, portanto, uma solução totalmente doméstica não resolve a questão central de que há indicações concretas de fraude nos resultados para dar vitória a Maduro.
Mas, a ideia de que as atas devem ser divulgadas, desagregadas por mesas de votação e de forma verificável é o começo do processo para desatar o nó cego de uma eleição que foi preparada, desde o início, para que Maduro tivesse controle absoluto sobre os resultados. O ponto problemático da posição dos três países é que a verificação dos votos seja “imparcial”. Não há condições domésticas para assegurar a imparcialidade na recontagem dos votos. O Consejo Nacional Electoral é controlado pelo autocrata. A Justiça também. A imparcialidade vai requerer mediação de terceiros.
Um caminho seria uma comissão especialmente criada para este fim, com representação igualitária do governo e da chapa de oposição e participação de analistas independentes, em número suficiente, para arbitrar o desempate. Difícil será encontrar pessoas independentes em um país convulsionado como a Venezuela. Talvez técnicos do Brasil, Colômbia e México. O pedido da Argentina, presidida por Milei, desafeto de Lula, para que o Brasil assuma a custódia de sua embaixada em Caracas e secundado pelo Peru, mostram o reconhecimento de que o país é a potência regional capaz de mediar os conflitos e assegurar o respeito aos governos da região.
Foi este papel de potência regional que o Brasil deixou de cumprir ao aceitar que Maduro rompesse um a um os compromissos do Acordo de Barbados de promover eleições limpas, competitivas e monitoradas por observadores independentes. A impugnação da candidatura de María Corina Machado, indiscutivelmente a principal líder da oposição e a política mais popular da Venezuela, já representou um desvio gravíssimo da rota traçada pelo acordo. Em seguida, o CNE impediu Corina Yoris de registrar sua candidatura. Já estava evidente que Maduro não cumpriria o Acordo de Barbados. Esses atos deveriam ter sido objeto de uma nota oficial de censura a Maduro, pelos países que intermediaram o acordo.
Em seguida, Maduro impediu que os observadores da União Europeia acompanhassem as eleições. O Centro Carter também não teve condições de monitorar as eleições e que elas não foram democráticas. Maduro não abriu a apuração para nenhuma supervisão independente e não liberou as atas em tempo real. Quanto mais tempo demorar para tornar as atas públicas, menor a credibilidade dos números apresentados e a probabilidade ter serem manipulados. Eleições não garantem que um regime seja democrático, mas são condição inarredável. É preciso que elas sejam transparentes, competitivas, e que ocorram em um contexto de plena vigência das liberdades individuais e do estado de direito. Condições inexistentes na Venezuela, onde o Judiciário e a comissão eleitoral estão sob controle estrito do governo.
A situação de Maduro não é como a de Donald Trump ou Jair Bolsonaro. Estes, foram eleitos de forma limpa. Maduro não foi. Os dois não conseguiram assumir o controle do processo eleitoral para impedir a vitória da oposição, perderam e saíram, tentando um golpe final. Na Venezuela, as eleições são controladas pelo governo desde Hugo Chávez. Se houver verificação imparcial dos votos e se confirmar a muito provável vitória de Edmundo González, o problema não acaba. Será preciso garantir que Maduro aceite a conclusão da verificação e haja uma saída negociada da autocracia para um governo de transição para a democracia.
Eleição
Publicidade
Eleição é indispensável, mas não garante a democracia
A situação de Maduro não é como a de Donald Trump ou Jair Bolsonaro. Estes, foram eleitos de forma limpa. Maduro não foi