O Brasil presidencial, do voto majoritário nacional, é polarizado entre o PT e o anti-PT que, em 2018 e 2022, foi encarnado por Bolsonaro. A direita tende a se unir contra o PT. Ele é a esquerda dominante no país desde 1994. No Brasil local, não se repete a união da direita. Não é de hoje que ela se divide em rivalidades municipais. Não devia ser surpresa que partidos da direita ou da centro-direita estejam competindo no segundo turno das eleições de capitais e de cidades com mais de 200 mil eleitores. Desde a ditadura militar foi assim, por isso foram forçados a criar as chamadas sublegendas, quando Arena1 e Arena2 se enfrentavam nas cidades em que eram permitidas eleições diretas.
O paradoxo da complexa política brasileira é a convivência entre vários sistemas políticos locais e estaduais e um sistema político nacional. O nacional não é a simples soma das partes, é bastante diferente delas. Nas eleições parlamentares é que esses sistemas locais têm influência e mobilizam os cabos eleitorais a favor dos candidatos de seus municípios. Deputados são eleitos pelo voto proporcional, na maioria absoluta dos casos, em uma meia dúzia de cidades que constituem seus redutos eleitorais. São cada vez mais raros os deputados eleitos com votos dispersos por todo o estado. Estão voltando na persona dos poucos influencers, eleitos pelas redes e não nas campanhas convencionais. Daí a importância das eleições municipais para a composição futura das grandes bancadas federais. Governadores e senadores são eleitos pelo voto majoritário em todo o estado. Portanto, precisam de alianças locais mais diversificadas para se elegerem.
A maior novidade destas eleições municipais foi a mudança de estratégia do PT, que habitualmente insistia em ter candidaturas próprias e só fazia alianças com outros partidos de esquerda e sem ceder a cabeça de chapa. Nestas eleições, abriu mão de disputar numerosas prefeituras. Em São Paulo, deu a candidatura a prefeito para Guilherme Boulos do PSOL, para ficar com a vice. No Rio, apoiou Eduardo Paes do PSD, sem estar na chapa. Nas capitais e cidades com mais de 100 mil eleitores, o PT fez alianças diversas, incluindo oito partidos de centro-direita ou direita, que têm sido aliados locais. Em municípios menores, PT e PL se aliaram pela prefeitura.
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Depois dos tombos de 2016, 2018 e 2020, o partido, para se reerguer, passou a admitir a ideia de que a política brasileira é feita de coalizões e que elas são diferentes nos planos municipal, estadual e federal. Os eleitores compreendem isso e votam dessa maneira. A polarização nacional não se manifestou de forma decisiva em quase nenhuma disputa. Em São Paulo, ela não compareceu. Nem Lula, nem Bolsonaro foram grandes influências no voto do primeiro turno. Lula preferiu o low profile e Bolsonaro ficou perdido.
Segundo turno é, por definição, uma escolha polarizada, mas não necessariamente na mesma polaridade que ocorreu no plano nacional, em 2018 e 2022. Em Goiânia, o confronto será entre o candidato do governador Caiado, tradicional liderança da direita, e o candidato de Bolsonaro. O ex-presidente e o governador têm sido aliados no plano nacional. Em Belo Horizonte, Zema, que foi aliado de Bolsonaro nas duas eleições gerais anteriores, apoiou um candidato a prefeito que não chegou ao segundo turno. Bolsonaro inventou um candidato, Bruno Engler (PL), extrema-direita, que chegou ao segundo turno, porém contra Fuad Noman, o prefeito atual, que é do PSD, de centro-direita. Em Curitiba, o segundo turno será direita contra direita.
Outra característica das eleições municipais que as urnas confirmaram foi a reeleição dos prefeitos bem avaliados por mais de 50% dos eleitores. As emendas parlamentares irrigaram as candidaturas dos partidos dominantes na Câmara. Para além delas, foi reeleito quem soube administrar a prefeitura de maneira que o eleitor reconheceu como boa. As emendas não são uma prática saudável, nem no plano local, onde geram muita desigualdade, nem no plano nacional, onde prejudicam a governabilidade.
Nenhum dos dois turnos nos dirá o que será de 2026. A eleição municipal tem influência, contudo menor que 100%, na reeleição de deputados. Mas não tem impacto, nem é uma previsão de como será a disputa para presidente em 2026. É muito provável que Lula se candidate à reeleição e tenderá a inibir candidaturas concorrentes à esquerda. É quase certo que Bolsonaro seguirá inelegível e sua ausência aumenta a chance de divisões na direita.