
Emendas camufladas
"A preferência por emendas camufladas põe em suspeição todas elas, inclusive aquelas com finalidade relevante para a população"
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO

O Congresso aprovou regras para as emendas, que deveriam acompanhar o acordo de transparência plena com o Supremo Tribunal Federal (STF). A negociação foi com o ministro-relator Flávio Dino, mas as regras tiveram aprovação da Suprema Corte. O projeto aprovado deixa, porém, uma porta aberta para emendas acobertadas pelo anonimato. Os líderes de bancada poderiam assinar solitários as emendas de comissão e de bancada camuflando os padrinhos reais.
Os parlamentares preferiram arriscar o bloqueio de emendas dadas como inconstitucionais. Não se importam de serem vistos pela opinião pública como articuladores da distribuição escusa de dinheiro público. Eles se recusam a garantir a transparência, a rastreabilidade das emendas e a verificação da correta alocação das verbas. A preferência por emendas camufladas põe em suspeição todas elas, inclusive aquelas com finalidade relevante para a população. Maioria expressiva votou na imprecisa redação de dispositivos do projeto de lei garantindo a discricionariedade e a camuflagem: 361 deputados, de todos os partidos, menos o PSOL e 64 senadores, com exceção do Novo.
Leia Mais
A impossibilidade de identificar os padrinhos das emendas e a real finalidade de sua destinação tem efeitos fiscais e legais. Eleva o risco de desperdício de verba pública, aumenta a desigualdade entre municípios, afastando os que têm deputados dos que não têm, torna inadequada a fiscalização e responsabilização dos reais alocadores dos recursos. Gera efeitos políticos internos, a delegação aos líderes aumenta ainda mais seu poder. Na Câmara, o Regimento Interno dá ao colégio de líderes atribuições decisórias formais.
A voragem dos congressistas pelo controle anônimo e sem transparência de uma fatia relevante do Orçamento tira poder do Executivo e transfere parte dele para o Congresso. Dificulta muito a condução das políticas públicas. Dado que podem prescindir do governo, exceto pelos cargos no Executivo, não se interessam em formar uma coalizão de governo minimamente alinhada com as políticas do Executivo. Os ministros indicados pelos partidos que entram na coalizão para terem acesso às verbas orçamentárias e influência nas políticas públicas setoriais ligadas ao cargo não têm a adesão dos parlamentares de seus partidos para votar com o governo. Toda a estrutura de incentivos e desincentivos para formar coalizões de governo e apoiar os programas centrais do Executivo, elemento essencial do presidencialismo de coalizão, foi subvertida pela transferência da prerrogativa de alocar grande fatia do orçamento do Executivo para o Legislativo.
A redução do poder de barganha do presidente se agravou no terceiro governo Lula porque, mesmo com a queda da inflação e do desemprego e com o aumento da renda das pessoas assalariadas, o patamar dos preços permaneceu muito elevado, principalmente de uma cesta ampliada de bens e serviços básicos mais consumidos. A grande maioria dos brasileiros vive com orçamento apertado, quase todo ocupado pelas despesas com educação, medicamentos, também muito caros, alimentação e outros itens da cesta básica ampliada. Além do mais, o grau de endividamento das famílias é alto e os juros estão subindo, cresce a inadimplência. Tudo leva ao sentimento de desconforto econômico da população.
O descompasso entre renda e necessidades das famílias bate direto na popularidade presidencial. A proporção de mulheres chefes de família na população aumentou muito, para 49% no censo de 2022. Na estrutura social brasileira patriarcal as mulheres, mesmo sem chefiar o domicílio, são responsáveis pelo orçamento doméstico e muito sensíveis aos preços altos. As piadas e frases machistas de Lula irritam o público feminino. Esses fatores explicam a forte queda da popularidade de Lula. As mulheres formaram o maior contingente de eleitores do presidente e elas o estão abandonando. Segundo a mais recente pesquisa, a IPSOS/IPEC, a aprovação de Lula caiu de 47%, em dezembro de 24, para 40%, em março de 25. A desaprovação em março foi de 55%. A desaprovação entre as mulheres subiu de 43% para 52%. Confirmam os achados da pesquisa Quaest de janeiro.
A queda de popularidade leva os parlamentares a se afastarem mais do presidente ao verificar que suas bases estão descontentes com o governo. Fica mais difícil ainda conseguir sintonia com o Congresso. O controle de parte da execução do orçamento pelo Congresso e a queda de popularidade presidencial geram impasses e riscos para a governança e para o processo democrático.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.