Historicamente, Gaza sempre foi o cruzamento das principais rotas marítimas e comerciais entre a Europa, o Oriente e a África, sendo, portanto, uma terra que atraiu a ganância de muitos. Em parte, graças ao seu porto de águas profundas. Essa condição natural facilitava que barcos atracassem nos seus cais. Durante séculos, o comércio de especiarias, ouro, seda, perfumes e escravos fez a sua reputação e a sua riqueza.
Desde a antiguidade, sua importância é tamanha, a ponto de ser citada na Bíblia. No livro de Josué, há referência à cidade nas guerras entre os hebreus contra os filisteus, quando estes bloquearam o acesso ao mar às doze tribos de Israel.
Alexandre, o Grande, em 332 a.C, sabia que dominá-la era fundamental para alcançar as ambicionadas terras egípcias, mas enfrentou em Gaza uma cidade murada, construída sobre antigas ruínas, a poucos quilômetros do mar, uma das maiores resistências impostas ao seu exército.
A cidade cercada por uma muralha, quase intransponível, impôs às forças do líder macedônio amplas dificuldades. Alexandre foi o primeiro de que se tem relatos, a construir túneis para adentrar à cidade. Foram quase dois meses para Alexandre conseguir derrubá-la.
Com a queda da cidade, todos os homens foram mortos, enquanto as mulheres e crianças foram poupadas, mas vendidos como escravos. Havia, há milênios, o mínimo de respeito à vida daqueles que tinham menos condições de se defender. Os novos habitantes que passaram a ocupar a cidade, vieram dos locais mais próximos e submissos ao novo dono daquelas terras.
O domínio romano começa a partir de 63 a.C. A cidade estará ainda sob a influência bizantina, até a anexação do seu território, em 637, pelo Império Turco-Otomano, finalizando a influência greco-cristã e iniciando a dominação islâmica até o ano de 1918, com o final da Primeira Grande Guerra e o fim poder turco-otomano.
O Império Britânico assume o controle da região, fechando o ciclo de ligação direta com o Oriente e retornando ao comando do Ocidente.
Nesse novo e complexo cenário, a chegada contínua de judeus e a iminência de criação de um estado judaico à Palestina é acompanhada da expulsão crescente dos palestinos muçulmanos de suas propriedades, das áreas mais ao norte da terra disputada, obrigando-os a migrar para o sul.
A estreita Faixa de Gaza, com seus 360 km2, à sudoeste da Palestina histórica, se torna, então, um refúgio para dezenas de milhares de árabes, expulsos por Israel. Instalam-se no território, que seria, inicialmente, atribuído ao futuro Estado Palestino. Isso explica os campos de refugiados ali existentes, palco de intensos bombardeios na guerra dos últimos dias.
Dessa forma, sob o mandato britânico, Gaza tornou-se uma terra de muitos refugiados palestinos, ironicamente, em seu próprio território, habitado há séculos.
Em 1948, após a criação do estado de Israel, Gaza ficou sobre influência egípcia, até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando foi anexada pelos judeus. A ocupação israelita permaneceu até 2005, quando todas as colônias judaicas foram evacuadas e somente os árabes-palestinos passaram a habitar essa área.
Era para ser o início da soberania Palestina na região, mas tal fato nunca ocorreu. Em 2006, após a vitória do Hamas (o grupo criado com a aprovação de Israel, em 1987!), que já havia se transformado no grande inimigo a ser extirpado, Gaza sofreu um cerco israelense total das suas fronteiras aéreas, terrestres e marítimas.
Uma prisão a céu aberto para quase 2,4 milhões de pessoas, a grande maioria jovens - adolescentes e crianças-, sem nenhum posicionamento contrário das potências ocidentais a essa determinação nefasta de Israel. Todos emudeceram perante a violação contínua dos direitos humanos, tudo com base na repetida e pouco convincente narrativa de combater o Hamas.
Hoje, assistimos, diariamente, à tragédia a que a população civil de Gaza está exposta. Mas a maior potência ocidental está silenciada, junto com seus fiéis seguidores. É notório que apoio dos Estados Unidos a Israel faz parte do DNA diplomático norte-americano e continua a ser um dos poucos pontos de consenso entre os democratas e republicanos.
A política de “dois pesos e duas medidas”, praticada pelos EUA e por Joe Biden, que denuncia com todas as suas forças a invasão russa da Ucrânia em nome dos valores morais, mas se cala perante os macabros bombardeios do exército judeu contra crianças, mães, idosos em hospitais, escolas, campos de refugiados de Gaza, não surpreende, mas se torna cada vez menos tolerável, entre os cidadãos comuns dos EUA.
O Presidente dos Estados Unidos, candidato à reeleição no pleito do próximo ano, enfrenta cada vez mais dificuldades internas. Os jovens eleitores e ativistas democráticos protestam cada vez mais contra o apoio incondicional às políticas e estratégias de guerra do arrogante e corrupto governo de Netanyahu.
Nesta situação, o voto desses eleitores em Biden, nas eleições presidenciais de 2024, não é um dado assegurado, fortalecendo um lugar de destaque à vitória de Donald Trump, provável candidato republicano à presidência. Nada indica que fará diferente de Biden, em relação a Israel, uma possível vitória trumpista; que isso fique claro para os eleitores dos EUA.
Mas muda para Biden. O risco de ser derrotado muda os rumos do seu futuro como presidente, algo que, definitivamente, não quer e talvez não queira apostar. Com isso aumentam as chances de pressionar o governo de Israel para um cessar-fogo, interrompendo o ininterrupto bombardeio contra Gaza.
Evidentemente, os interesses do genocídio que ocorre em Gaza não têm exclusivamente o intuito de eliminar o Hamas (não vou entrar no âmbito do Irã, neste momento). Esse argumento não convence mais a todos. Essa retórica está cada vez mais dissimulada e ultrapassada.
Os interesses são amplos, envolvem recursos naturais fósseis, abundantes na plataforma continental de Gaza, novas rotas comerciais e, especialmente, ganhos de bilhões de dólares a Israel e gigantescas empresas petrolíferas, sediadas em países diversos. E, quando há dinheiro, desumanizar e eliminar um povo é só uma seta para seguir uma rota, mesmo que manchada de muito sangue.