Hoje está confuso escrever. Sinto que há muitas emoções caóticas e divergentes na minha alma, neste momento. A minha melhor amiga está a dar à luz o primeiro filho enquanto escrevo e escuto, repetidamente, “Take me to the river” só porque ela disse que essa canção não sai de sua mente. Contrariando essa alegria, ao mesmo tempo, sofro porque alguém que foi importante disse coisas horríveis a meu respeito (deveria ignorar, mas como era importante, está doendo).
O novo ano se aproxima, enquanto o atual envelhece de forma acelerada. Deseja-se acreditar que, quando a badalada do último segundo se esvair, tudo será diferente: meu pai vai ficar bem, minha mãe vai entender que a melhor amiga dela é ela mesma e que nosso amor de filhos, sozinho, tem limites para ajudá-la; o amor, que nunca se confirma na sua volatilidade contínua, virá intenso, como nunca antes. São pequenas pretensões para o soar de 2024.
Mas a verdade é que hoje não está fácil organizar, em poucas palavras, um texto que alguns irão ler e com ele talvez se identificar ou, simplesmente, ignorar. Hoje, é um daqueles dias em que a pretensão é sentar numa colina de grama verde, perto de um rio onde se possa mergulhar (talvez inspirada pela canção, que se repete insistentemente) ao lado de um ouvinte amigo, que o escutará, sem emitir opinião de valor, pois não é o que alma deseja.
Neste cenário fictício, poderia relatar, em frases mais longas e demoradas, como meus supostos textos sucintos sobre a China (alunos entenderão), sobre os eventos vividos que acontecem, apesar dos percalços e das dores ocorridas, quase que, repetidamente, no cotidiano oscilante que se vive.
Além das próprias expectativas, contaria sobre a vida que segue seu próprio curso e não para, já dizia Cazuza, e que tudo ao redor parece estar como numa gaveta desorganizada, que ninguém se atreve a mudar.
Nesse turbilhão de coisas que seria discutido está o clima, sinalizando que algo está fora do lugar, independentemente da causa; as ideias estranhas e individualistas se alastrando como um tumor pelo mundo; a insegurança alimentar que ainda atinge milhões em pleno século XXI.
Certamente, dedicaria um tempo maior para falar da violência contra os povos e de um genocídio em andamento, visualizado em tempo real e ignorado pelos senhores desprovidos de sensibilidade, que controlam as decisões globais. Teria tempo para falar sobre as perseguições à imprensa que cobre tais eventos e como essa mesma mídia se cala, vendo seus profissionais e familiares sendo mortos no exercício do trabalho dedicado.
Conversaria sobre algumas jovens vítimas dessa guerra, anônimas num passado recente e que se tornaram os grandes heróis, ao divulgarem em tempo real as imagens chocantes da violência a que estão submetidas. Assim como os desconhecidos, espalhados pelo mundo, que usam de sua voz para alcançar mais pessoas, na busca para, juntos, interromper o fluxo da fúria contra inocentes. Não posso esquecê-los. O conhecimento de amanhã, nos livros de história, dependerá deles para ser transmitido.
Não poderia deixar de lado, nessa prosa, as poderosas tecnologias que deram voz ao vazio da mente humana, que se dissemina como uma lava vulcânica mortal, com as palavras pobres de conhecimento, da sua mente inculta. São tempos cinzentos e tenebrosos das relações humanas.
Mas, apesar das instabilidades individuais e do coletivo global, não se pode perder o esperançar de dias melhores. Afinal, LE (iniciais do nome do filho da amiga querida) que acabou de nascer, precisa crescer em um mundo mais humanizado, mais harmonioso e mais festivo.
A ele, pretende-se, como em um sonho, no futuro, contar que tempos difíceis ocorriam durante seu nascimento, mas a humanidade despertou da névoa que encobria seus passos para um novo amanhecer, mais simples, menos materialista, cheio de amor compartilhado. Parece muito, eu sei, mas se isso não nos mover, viver torna-se uma tarefa árdua demais.
Nas minhas divagações com meu fiel ouvinte à beira do rio, o futuro será menos catastrófico: crianças, mulheres, idosos, hospitais, escolas, templos serão espaços protegidos de qualquer forma de agressão. O homem do amanhã será movido mais pelo espírito generoso que pela matéria putrefata que o conduzia.
Afinal, ele, o homem, necessitava ser mais que isso. Um dito popular diz que é melhor criar unicórnios que expectativas, mas hoje é o que me resta.