Em um momento da história humana em que a onipresença dos meios de comunicação não permite a ausência do silêncio, distraindo os cidadãos da realidade do mundo ao redor, não se escutam os gritos (abafados) dos palestinos. Estão isolados, marginalizados e mudos.
A imprensa estrangeira está proibida de entrar em Gaza, e os jornalistas locais trabalham com crescentes obstáculos à transmissão das informações do dia a dia tenebroso que se instalou desde o início dos conflitos em 7 de outubro de 2023.
Com quase quatro meses de confrontos devastadores, com causas que não se sustentam mais e objetivos ainda cinzentos, os palestinos permanecem com suas vozes abafadas, nessa que se torna só mais uma guerra, uma vez que as justificativas são cada vez mais questionáveis.
O governo de Israel impede o acesso da imprensa internacional aos flagelos e horrores impostos à população do território palestino; assim toda a tragédia humanitária que ali ocorre é de responsabilidade da imprensa local, desprovida de recursos tecnológicos eficientes e de segurança ao trabalho realizado.
Com mais de uma centena de jornalistas mortos desde o início da guerra, aqueles que resistem contam com uma fraca e intermitente cobertura de internet. São os únicos olhos e ouvidos do cenário de terror imposto pela guerra.
Sob a alegação de que a presença da imprensa colocaria em risco os integrantes das Forças de Defesa Israelenses (FDI), ao divulgar suas posições, pouco se sabe da real dimensão do que ocorre na região palestina. Sabe-se que mais de 60% de todo o setor imobiliário foi destruído e que condições básicas de sobrevivência são privadas às centenas de milhares de refugiados, que não sabem, de fato, onde é seguro se estabelecer.
As poucas vezes que os jornalistas estrangeiros estiveram em Gaza, desde aquele fatídico sábado de outubro, foram conduzidos pelo exército e com a permanência de algumas dezenas de minutos. Nesses curtos espaços de tempo, circulando pelos escombros, foi vedado a esse grupo se locomover sozinho, fazer perguntas, tirar dúvidas junto à população local e de descrever as emoções dos sobreviventes das famílias dilaceradas pela guerra. Os judeus, na sua maioria, não nutrem empatia pelos palestinos.
Apenas Clarissa Ward, uma jornalista da CNN dos Estados Unidos (EUA), que em dezembro passado infiltrou-se na área de Rafah, em um hospital de campanha, durante algumas horas, acompanhando uma equipe médica dos Emirados Árabes Unidos, teve acesso mais longo ao cenário da guerra.
Ward descreveu uma experiência assustadora, angustiante e preocupante daquilo que viu no centro de saúde, com crianças, mulheres e homens mutilados, corpos queimados e com precárias condições de equipamentos e recursos para socorrê-los.
O silêncio é quebrado com as informações que, de modo geral, chegam ao mundo por meio de imagens produzidas por blogueiros ou jornalistas palestinos, que se tornaram as únicas testemunhas de uma guerra travada a portas fechadas, como Motaz Azaiza, Plestia Alaqad, Hind Khoudary, Issam Abdallah e Wael Al Dahdouh (que perdeu toda sua família pela guerra).
A totalidade dos repórteres de Gaza, cotidianamente, corre risco de morte para compartilhar vídeos fragmentados dos violentos ataques que as FDI impõem à população de Gaza. São os únicos burburinhos que rompem a barreira da mudez que lhes é imposta.
Mas os materiais que esses profissionais produzem de Gaza têm uma abrangência limitada, por não ganharem espaço na grande mídia e pelas limitações impostas por uma internet lenta, que gera dificuldade para chegarem até as redações dos jornais a que pertencem.
Correspondentes da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), instalados no Oriente Médio, denunciam a estratégia israelense deliberada de calar os que cobrem a guerra. Até o presente momento, 122 jornalistas foram mortos; destes, acredita-se que, no mínimo, 25 estavam com coletes e capacetes que os identificavam como integrantes da imprensa. Não foi suficiente para protegê-los.
A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a Faixa de Gaza o local mais perigoso do mundo para os jornalistas, na atualidade.
Tais atos são considerados “crimes de guerra”, de acordo com o direito internacional, mas como há um comportamento de aceitação dos fatos pela mídia global, em especial a poderosa mídia ocidental, somente o futuro irá determinar as reais consequências dessas práticas.
Os bombardeios não cessam. Cidades e campos de refugiados inteiros não existem mais. Mais de 1,9 milhão de pessoas são expostas a todas as agruras de uma guerra sangrenta e, nos últimos 10 dias, enfrentam chuva e frio intensos. Estima-se haver mais de 27 mil mortos, (a maioria crianças e mulheres) e mais de 66,4 mil feridos.
Entretanto quase nada é transmitido nos maiores jornais de circulação, e as plataformas das mídias digitais censuram ou limitam a circulação das imagens dessa guerra, como a Meta faz com o Facebook e o Instagram. Há um apagão midiático imposto à Faixa de Gaza.
Uma demonstração clara do desequilíbrio informativo, entre tantos outros, envolveu a BBC de Londres, que dedicou 8 minutos no horário nobre do jornalismo ao suposto envolvimento de 12 integrantes da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos no Próximo Oriente (UNRWA) – órgão fundamental à sobrevivência dos palestinos nesses tempos sombrios e que teve como punição a suspensão dos pagamentos dos principais doadores internacionais - nos ataques do Hamas aos judeus, em outubro, mas o reconhecimento de risco “plausível” de genocídio praticado por Israel, emitido pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), praticamente não foi citado na sua programação.
Há dois pesos e duas medidas nesse conflito. Enquanto a mídia cobre continuamente os danos causados pelos ataques do Hamas, que provocaram a morte de 1.139 pessoas, a maioria de civis e dos 250 reféns israelenses, aos palestinos não é dado o mesmo direito. São desumanizados, tratados como “animais”, calados nas suas dores e cicatrizes.
Aqueles que ousam se posicionar a favor dos palestinos - artistas, celebridades, escritores etc.- sofrem severas sanções, principalmente dos líderes empresariais coligados a Israel. O mundo não ouve os gritos oprimidos e não deseja ver o que está ocorrendo em Gaza, uma estreita faixa de terra de 40 km de comprimento por 11 km de largura, aproximadamente.
Neste momento, está em negociação uma trégua mais longa no conflito. O líder do Hamas, Ismaïl Haniyeh, deverá, no Egito, ao longo da semana, analisar uma proposta elaborada pelo chefe da CIA, William Burns e representante do Egito, Israel e Catar. A nova proposta envolve fases distintas. Inicialmente, prevê-se uma trégua de seis semanas.
Nesse período, Israel terá de libertar 200 a 300 prisioneiros palestinos, em troca de 35 a 40 reféns israelenses, ainda detidos em Gaza. Além disso, estipulou-se de 200 a 300 caminhões de ajuda humanitária, diariamente, poderem entrar no território sitiado.
Há sinais de apoio à trégua por parte do Hamas, mas o movimento Islâmico ainda não confirmou a sua decisão. Todavia a trégua não implica o fim do conflito, uma vez que Israel continua a afirmar que a ofensiva em Gaza só terminará quando o Hamas for eliminado, os reféns forem libertados e depois de terem garantias sobre segurança e domínio futuro do território palestino.
Enquanto isso, uma chuva de bombas cai sobre Rafah, cidade ao sul de Gaza, onde está mais de um milhão de refugiados. Pouco se divulga sobre tais eventos. Israel se beneficia do fato de que hoje cada um vive na sua própria bolha, estranhos uns aos outros. Assim, a dor daquele que se encontra fora dela não atinge os indivíduos, ilhados no seu mundo particular.
Pode se falar, mas ninguém vai escutar, pode- se expressar, mas ninguém ouvirá. Nos emaranhados do teatro social, os palestinos terão que percorrer um longo e árduo caminho para o encontro e o reconhecimento com os demais e não mais serem somente números. Oxalá não demore tanto.