Uma das maiores discussões da atualidade envolve as mudanças climáticas. Todos os dias, os meios de comunicação evidenciam claros sinais de alterações que comprometem a dinâmica do clima. Os elementos que determinam o funcionamento atmosférico apresentam comportamentos cada vez mais atípicos e mais acentuados, com extremos de calor e de frio além da umidade e da secura, atingindo todos os continentes, com intensidade variada e resultados cada vez mais drásticos para a sociedade humana, além da fauna e da flora. 

Apesar das divergências sobre as possíveis causas do aumento das temperaturas planetárias, há um certo consenso sobre a ocorrência do fenômeno de aquecimento global, contrariando os negacionistas espalhados por aí. As consequências do aumento térmico sobre o planeta são múltiplas, modificando o funcionamento do equilíbrio dos continentes e oceanos.

 



 

Com o intuito geopolítico, a ênfase será dada ao derretimento das calotas polares, uma das consequências mais discutidas, o que envolve, em especial, a região que se encontra ao Norte do paralelo de 66° de latitude, a Zona Glacial Ártica. Os interesses sobre essa área são antigos e se tornam cada vez mais evidentes. As riquezas escondidas sob o gelo e as novas rotas de transportes são alguns dos fatores que atiçam a cobiça sobre as frias águas boreais. 

Em 1996, os oito países com territórios que englobam as áreas “acima” do Círculo Polar Ártico (66°33’ N) – Canadá, Dinamarca (dona da Groenlândia), Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos (Alasca) - tentaram estabelecer um Conselho do Ártico, com o objetivo de promover a cooperação e a coordenação entre os integrantes. Entretanto a ausência de um consenso entre todos os envolvidos comprometeu a eficiência e a permanência do órgão. 

À medida que as calotas polares derretem, aumentam as possibilidades de acesso aos abundantes recursos regionais. A calota polar está sobre a plataforma continental, que armazena gigantescas riquezas naturais, desencadeando disputas pelo controle do Polo Norte, ambiente alvo dos interesses econômicos das lideranças ocidentais. 

Porém os envolvidos enfrentam grandes obstáculos físicos e políticos, principalmente por discordâncias com a Rússia, a nação dona da maior extensão territorial nos limites mais setentrionais do planeta e, que, de modo geral, entra em desacordo com as decisões tomadas pelos países do Ocidente. 

Essas águas frias do Oceano Glacial Ártico abrigam uma expressiva atividade pesqueira, o que ampliaria sua capacidade de exploração com a redução da camada de gelo, além de expor uma região rica em combustíveis fósseis da plataforma continental, recoberta pelo manto de gelo. Segundo a WWF Artic, são estimados que mais de 22% das reservas de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) não descobertas estão nessa faixa do mundo. 

O derretimento das geleiras abre novas frentes econômicas, tanto do ponto de vista de exploração dos recursos naturais, quanto das inovações logísticas, com as novas rotas marítimas, com o potencial de reduzir o tempo de navegação global em cinco semanas, diminuindo a dependência do escoamento através do Estreito de Malaca, uma região de alta demanda de circulação de mercadorias e de muitas tensões, sobretudo pelas reivindicações de diversos países sobre o direito das águas marítimas costeiras. 

Os interesses divergentes Rússia, em relação à gestão pesqueira, petrolífera e de circulação do Ártico com os aliados dos EUA, podem comprometer a frágil estabilidade dessa parte do mundo e desencadear graves conflitos futuros. 

Essas divergências levaram os EUA a ampliar a presença no Ártico, desde 2005, com o deslocamento de uma parte do efetivo do exército norte-americano, instalado no Havaí, para o Alasca. Em 2022, esse contingente foi ampliado com a transferência de milhares de soldados para a região. Dessa forma, o Alasca abriga a maior brigada terrestre dos EUA, no extremo norte da Terra.

Em contrapartida, na margem oposta do Estreito de Bering, a Rússia, que tem mais de 50% do seu território dentro da área polar, amplia continuamente a presença militar. Há mais de 20 bases militares russas na região, trabalhando com o objetivo de expansão dessa presença. Os exercícios militares foram também intensificados desde 2022, com a participação do vizinho do sul, a China, após um acordo firmado entre os dois países, o que contraria ainda mais as potências ocidentais, que miram com imensa desconfiança para essa parceria. 

Os EUA sabem das limitações que o frio ártico implicaria aos seus soldados. O congelante frio desse ambiente limita muito o desempenho dos combatentes. Os estudos indicam que, logo nos primeiros três minutos de exposição, as condições físicas humanas seriam alteradas significativamente, com redução da atuação durante os confrontos. 

Nem a excelente forma física que, geralmente, apresentam os pouparia dos desgastes impostos pelo frio. Nesses ambientes, um pouco mais de gordura corporal poderia até ser mais benéfico ao criar um isolamento maior ao frio, mas, ainda assim, os colocaria em risco de hipotermia em um curto espaço de tempo. 

Dessa forma, somente as armas não garantem o domínio territorial. Além da longa distância em que se encontram as regiões disputadas, o que compromete abastecimento, funcionamento dos equipamentos e evacuação, principalmente em caso de socorros médicos (uma simples cirurgia poderia ser inviabilizada pela incapacidade de expor partes do corpo humano, seja do paciente ou, seja do médico ao congelante frio polar), os exércitos, rivais ou não, enfrentariam outra grande preocupação com a saúde dos soldados, devido às condições ambientais adversas a que estariam expostos. 

Os coordenadores dessas equipes sabem que tomada de decisões simples são afetadas pelas condições térmicas severas a que estão expostos, o que pode custar muitas vidas, em caso de combates diretos, e a redução das taxas de sobrevivência dos militares, nesses casos. Mudanças mais radicais deverão ser implementadas, como redução de café, nicotina e isenção do peso individual para os treinamentos estão, progressivamente, sendo exigidas. Sabem que tais medidas podem salvar vidas num confronto armado. 

Os cenários menos hostis ocorreriam no verão, quando a incidência da luz solar é permanente por mais de 20 horas. Todavia, nesse período, o degelo do Permafrost (solo polar) cria outros elementos limitantes, como a formação de ambientes pantanosos, de difícil locomoção e a exposição dos soldados a substâncias tóxicas (metais pesados, combustíveis derramados e radioativos), acumuladas ao longo do tempo, originadas das atividades ligadas às indústrias e práticas minerárias. 

A ideia de um solo permanentemente congelado alimentou a crença de que as instalações de infraestruturas industriais estariam protegidas e estáveis indefinidamente. Ignoraram-se os efeitos do aquecimento sobre essa “estabilidade”. Hoje, a realidade é uma gradativa intensificação da instabilidade estrutural e residual, criando um outro cenário muito desfavorável a uma guerra ártica, cujos desafios exigiriam vultosos esforços para os implicados. 

O Permafrost abriga também vírus e bactérias letais com os quais os combatentes entrariam em contato, à medida que o derretimento acentua o degelo, colocando a vida em risco por outros mecanismos. Em um confronto nessa tundra implacável, na busca pelo domínio dos seus recursos finitos e cobiçados, a natureza pode ser o principal general e, talvez, a “maior vitoriosa”.

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