O mundo precisa de um intervalo. A metáfora não é de todo descabida. Às vezes, tudo o que se necessita é de uma interrupção. Um pequeno hiato para descansar a mente, olhar para trás, compreender o agora e atuar para saber como agir pela frente. No momento atual, há um grande descompasso entre as expectativas e as realidades planetárias. A humanidade atinge níveis estrondosos de avanços tecnológicos, porém enfrenta, simultaneamente, problemas primitivos.

 

Imagens impactantes assombram diariamente, sejam de ordem natural, geopolítica, humana, sejam econômicas. Algo no planeta simplesmente segue um caminho, aparentemente, aleatório, individualizado, distante de um conjunto, mas que afeta todo um coletivo. Parece um imenso quebra-cabeça, com peças lançadas sem nenhuma correlação, de difícil encaixe.

 

Essa suposta incoerência das peças leva o planeta e os grupos humanos aos extremos comportamentais. Há um constante cenário de anomalias pairando no ar. Bombardeios visuais e informativos nos cerceiam por todos os lados, desencadeando tristezas, ansiedades e desesperanças crescentes. Os noticiários se transformaram nos “mensageiros do azar”. Retratam um planeta com seus habitantes doentes, com feridas, que, antes da cicatrização, são afetadas por uma nova moléstia.

 



 

Encontrar um princípio, o “paciente zero” desencadeador de todas as disrupturas a que o mundo está exposto é quase a regra primordial para se pensar e planejar o futuro e, a partir daí, buscar os mecanismos de ação e combate.

 

Pouco otimismo chega até o indivíduo. Quando aparece, são imagens representativas de um fictício mundo das redes sociais, um “anticristo” poderoso de atração e convencimento; isso arrasta multidões para um lado obscuro, incompreendido pelo sujeito comum, manipulado a bel-prazer, como um zé-ninguém, pela entidade que nenhuma pessoa vê, mas que domina a todos, denominada algoritmo.

 

Nesse turbilhão em que o mundo está inserido, nas últimas semanas, no Brasil, as imagens de impacto e sofrimento percorreram o estado mais meridional do país: o Rio Grande do Sul. O estado inteiro foi afetado pelas torrenciais chuvas que precipitaram sobre a região.

 

 

As terras gaúchas marcadas pela diversidade do seu povo (resultado da miscigenação de indígenas, europeus e afrodescendentes) e da sua geografia – com seus avermelhados solos férteis, teimosamente chamados de terra-roxa, suas coxilhas recobertas pelos campos, suas serras e cuestas, hoje quase desnudas, onde outrora dominaram as araucárias (praticamente, ausentes nas paisagens atuais), suas planícies costeiras, marcadas por belíssimas falésias esculpidas sobre rochas basálticas, de origem vulcânica, que retratam um período onde a turbulência global era regida pelas entranhas da Terra-, ganharam as manchetes, com cidades inteiras submersas por uma espessa camada de água oriunda das cheias dos rios, após chuvas colossais atingirem a região.

 

Os rios não suportaram o gigantesco volume de chuva dos últimos dias, escaparam das suas calhas, recobriram as suas várzeas. Em um mundo perfeito, o homem teria preservado da ocupação essa porção dos corpos hídricos, mas há muito se sabe que não existe essa perfeição.

 

 

Cidades inteiras foram construídas nas suas margens, o assoalho urbano foi concretado, pavimentado, reduzindo ou interrompendo os fluxos de infiltração. Foi demais e o transbordamento inevitável recobriu tudo o que havia pela frente. Era previsível que algo assim pudesse ocorrer. Já havia ocorrido no passado, um pouco distante das gerações atuais, mas lembranças perpetuadas das catástrofes geradas naquela época sinalizavam que o cenário poderia se repetir.

 

Apesar dos alertas dados por muitos ambientalistas, órgãos públicos nacionais (recomendo a leitura) e internacionais, como o Painel Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à ONU, praticamente tudo foi ignorado e tratado como ideologias negacionistas.

 

 

Os grandes empreendimentos construídos no passado, com uma engenhosa tecnologia para sua época e que poderiam ter minimizado os danos causados foram abandonados ao longo do tempo. Os gastos públicos e privados foram destinados a outros interesses. As “forças superiores”, atreladas aos interesses de grupos muito poderosos, conduziram as ações adotadas e disseminadas nas diversas escalas espaciais.

 

Em seu lugar, expandiram os aterros das margens, a ampliação dos espaços disponíveis para a ocupação de residências, infraestruturas da rede urbana (necessárias, mas que deveriam estar em equilíbrio com a dinâmica hidrológica), estádios e uma infinidade de outras obras.

 

 

Tudo foi pensado para um sistema em que o homem é o único controlador. Todavia a natureza tem vida própria e age de acordo com a sua lógica. O espaço ocupado pertence aos rios e, esporadicamente, será recrutado para o exercício da sua dinâmica. Se o homem estiver ali, pagará o preço da intromissão indesejada.

 

Há culpados? Claro que há. Vou listá-los aqui? Não é o objetivo. Para isso basta uma pesquisa mais elaborada e atenta, que qualquer um pode fazer em tempos de tecnologias de informação cada vez mais abrangentes e apuradas. Basta o leitor desejar.

 

A camada da atmosfera é muito delgada, com uma fina espessura, de pouco mais de 120 km revestindo o planeta. O clima é um sistema complexo e reage rapidamente às alterações que possam ocorrer no ar, no mar e na superfície da Terra. Seu comportamento, ao longo do tempo geológico, foi de inconstância, com ocorrência de glaciações e deglaciações (períodos de aquecimento), com intervalos relativamente longos e nem sempre regulares.

 

Os modelos climáticos criados na atualidade tentam reproduzir esses cenários pretéritos, mas com a inserção de um novo ingrediente, ausente no passado e altamente atuante no presente: o homem. Os ambientalistas “aquecimentistas” e os céticos travam uma queda de braço há tempos, respectivamente os acusadores e os defensores das ações humanas como desencadeadoras do agravamento das mudanças do clima. Os sinais indicam que os primeiros estão a ganhar.

 

Com isso aumentam as tensões entre as relações humanas com o meio ambiente. Não somente no aspecto de desastres naturais, mas no comprometimento da saúde do homem. Doenças mentais e alterações do clima estão em rota de colisão. Há quase um bilhão de pessoas no mundo com algum tipo de transtorno mental, incluindo um em cada sete adolescentes, associado aos extremos climáticos. São as novas vítimas da “eco-ansiedade”.

 

Os efeitos desses extremos: inundações, secas severas, poluição atmosférica, aumento da frequência de tempestades violentas, a intensificação da insegurança alimentar são ameaças que atingem gravemente a saúde mental da população. O cenário de análise fica mais incerto, quanto aos dados, quando quase metade da população mundial vive em países com um psiquiatra para cada 200 mil habitantes, o que dificulta o monitoramento e os dados estatísticos reais das vítimas potenciais dessas mudanças.

 

Os estudos mais aprimorados estão concentrados nos países mais desenvolvidos, onde as análises comprovam um aumento dos pacientes associados ao calor extremo que essas regiões estão enfrentando com mais regularidade. Entretanto os mais vulneráveis estão nas áreas mais pobres do mundo, onde as pesquisas não são abrangentes ou mesmo ausentes.

 

Considerar todos os eventos do clima como algo exclusivamente natural torna-se, cada vez mais, quase impossível. À medida que avançam os estudos sobre o tema e se visualiza o comportamento da instabilidade dos sistemas atmosféricos, o homem ganha um papel de protagonismo muito significativo.

 

A negação dos câmbios atmosféricos não colabora para uma implantação eficiente de medidas mitigadoras, que poderiam minimizar os eventos catastróficos que se repetem continuamente e com os quais as sociedades terão que se familiarizar.

 

Talvez seja o instante do intervalo global. Nesse ínterim, repensar o que é de real importância, de mudar padrões de consumo, desenvolver meios de transportes de menores impactos, descarbonatar mais rapidamente os meios de produção energéticos, viver em uma sociedade mais colaborativa que em um mundo solitário, onde ser bem sucedido é baseado no ter e não no ser.

 

Os governantes precisam ser mais cooperativos, atentos e dispostos a organizar medidas preventivas eficientes às novas catástrofes. A inação dos líderes causa angústia e frustração. É a hora de orquestrar um novo mundo. O momento pode ser histórico!

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