No último dia 20 de junho, teve início o solstício de inverno no Hemisfério Sul. No Hemisfério Norte, em contrapartida, o solstício de inverno. Enquanto na porção meridional do planeta, as temperaturas e a umidade tendem a declinar, o contrário ocorre na porção setentrional. A maior concentração de terras na porção boreal da Terra tende a acentuar as médias térmicas tanto nos continentes quanto nos oceanos.
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É durante essa estação quente do verão que a temporada de tempestades e furacões se intensifica no Oceano Atlântico, em especial, na região caribenha. As tempestades extratropicais se formam quando a água aquecida do oceano (geralmente, com mais de 27°) evapora para a atmosfera e colide com os ventos frios das altas altitudes. As variações de temperatura entre as superfícies do oceano e a atmosfera superior são a base para as tempestades adquirirem sua força eólica.
O período de junho a novembro, quando a água do mar está mais quente, corresponde à fase de ocorrência desses fenômenos atmosféricos no Norte. Todavia, como as temperaturas oceânicas também estão subindo a cada ano, aumentam os alertas para a devastação que esses eventos podem provocar.
Após a passagem, em meados de derradeiro mês, da tempestade tropical Alberto pelo México e Texas, o Oeste do Caribe se prepara para enfrentar, desde a manhã do último domingo, a força do furacão Beryl. Beryl tem a peculiar característica de atingir a categoria 4 (uma das mais violentas, com ventos entre 209 a 251 km/h), logo no início da temporada, algo geralmente mais raro. Antes dele, somente os furacões Audrey e Alma, respectivamente em 1957 e 1966, atingiram tal peculiaridade.
Os analistas preveem, inicialmente, uma estação com um número de furacões acima da média, rivalizando com os registros de anos anteriores, considerados mais movimentados. As águas do Atlântico estão assustadoramente mais quentes, segundo os cientistas, o que cria cenários alarmantes para os fenômenos atmosféricos que podem se originar ao longo dessa época, a mais cálida do ano.
O ano de 2023 foi de sorte para os Estados Unidos, no que se refere aos eventos atmosféricos com força mais destrutiva. No ano passado, com o El Niño (aquecimento das águas do oceano Pacífico Sul) ocorreu uma redução das condições favoráveis à formação de ciclones nas águas do Atlântico Norte. A instabilidade atmosférica, caracterizada por modificações no regime de ventos, associada a esse fenômeno, diminuiu a possibilidade de formação de furacões na região.
Com El Niño, a área de alta pressão sobre o Atlântico enfraquece e desloca os ventos formadores de furacões para o Norte e, na sequência, para o Leste, diminuindo as probabilidades de alcançarem o continente. Essa dinâmica manteve a maior parte das tempestades distantes das faixas de terra, e, assim, seus impactos foram quase ausentes no país. Somente o furacão Idalia atingiu o país ao longo de 2023.
Mas esse padrão está diminuindo e, gradativamente, sendo substituído pelo padrão La Niña (resfriamento mais acentuado das águas do Pacífico Sul). A “calmaria” imposta por La Niña altera a dinâmica dos ventos do período anterior, permite que o ar mais quente da superfície do mar atinja altitudes mais elevadas, favorecendo a ocorrência dos fenômenos climáticos mais violentos.
Segundo a agência de Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), dos EUA, há 85% de chances de uma temporada fora do normal, 10% quase normal e 5% abaixo do normal. Uma temporada tem em média 14 tempestades nomeadas, incluindo sete furacões e três grandes furacões.
Até o momento, as temperaturas registradas são maiores que em qualquer ano da década passada. Dessa forma, as previsões não são nada otimistas para os Estados Unidos, em 2024, em especial, a faixa do litoral sul e sudeste. As estimativas são de uma temporada com tempestades e furacões mais frequentes e mais devastadores, em parte graças à combinação de um padrão La Niña com as condições térmicas recordes, que atingem também a superfície do mar.
Bem, previsões podem falhar, como já ocorreram antes. Mas os cientistas evidenciam que as alterações climáticas estão em um ritmo bastante acelerado; mesmo que não consigam explicar com clareza as causas, sabem que tais mudanças geram impactos profundos no comportamento da atmosfera. Devido a isso, mantêm o alerta para o risco de um furacão muito grande e com severos impactos na região.
O furacão Beryl, tão poderoso logo na abertura da temporada, pode ser apenas uma comprovação dessa possibilidade no decorrer dos próximos meses. A turbulência no país não deve afetar apenas o cenário político do ano eleitoral, que prevê fortes e imprevisíveis consequências, mas toda a dinâmica climática do Atlântico tropical deve seguir cenários similares.
Talvez a natureza possa colaborar com o resultado das eleições presidenciais norte-americanas. Um dos candidatos (aquele que foi derrotado em 2020) tem aversão a todos os esforços de controle do “efeito estufa” e pode destruir toda a trajetória traçada nos últimos três anos para limitar o aquecimento global ao patamar de 1,5°C.
As forças destruidoras do meio ambiente afetam sociedade e economia e têm potencial para alterar o establishment político indicado pelas pesquisas de intenção de voto e influenciar os resultados de novembro, muito favoráveis ao candidato.
Historicamente, os furacões causaram danos gigantescos ao país, ceifando centenas de vidas humanas e causando perdas de bilhões de dólares, como o Katrina, em 2005. Tendem a repetir os panoramas semelhantes de graves danos socioeconômicos nos próximos meses. Deseja-se que não.
Entretanto, mesmo ciente da colossal poluição emitida pelos EUA (segunda maior do mundo, depois da China), em uma reunião pública, durante as primárias do Partido Republicano, em janeiro, o referido candidato cantou: “Vamos perfurar, querido, vamos perfurar”. Estava dado seu recado em defesa dos combustíveis fósseis, um dos maiores vilões do aquecimento global. A natureza, talvez, devolva com outro refrão: “Não vamos deixar, querido, não vamos deixar”.