O prezado leitor pode ficar surpreso com a indagação, mas não se surpreenda muito. O título surge por sugestão de um grupo de amigas que se reúne numa tarde, após um longo tempo de ausência. Como nada é perfeito, havia uma clara preocupação da autora com o tempo e com as responsabilidades de escrever um artigo.
Uma delas diz: vamos escrever a oito mãos? Éramos quatro à mesa. Surge daí uma proposta de tema associado ao local em que estávamos. Recusei a escrita conjunta, mas acatei a sugestão do título. O que a baiana tem (e ela tem muito) não é o objetivo desse texto, que será curto, caro leitor.
Ao sentar-me para escrever, cogitei falar do atentado contra Trump, das guerras em andamento, dos resultados das eleições na França e Inglaterra, do envelhecimento mundial e brasileiro... mas todos foram, mentalmente, vetados! Nada de temas complexos e sofridos que vão continuar.
O texto que se segue será uma pequena homenagem à simplicidade dos prazeres singelos que uma amizade compartilhada pode proporcionar. Um relato breve, todavia intenso, dos delicados momentos de uma tarde entre amigas, tão diferentes, mas unidas pela admiração e respeito comuns.
O humano é um ser social, já dizia o filósofo. Acreditar nisso é movimentar a vida, dar a ela distintos significados. Há aqueles que se fecham em si. Ficam ensimesmados, alguns diriam. Estes, talvez, ali se encontrem e consigam certa plenitude.
Há outros que gostam dos sons das gargalhadas, das sutilezas dos olhares cúmplices, dos diálogos que retratam as alegrias e tristezas que, individualmente, atingem a todos, mas que entre um copo e outro na mesa do bar, são coletivizados, quando ao amigo são relatados. Componho o segundo grupo.
Claro que em tempos de redes sociais, cada vez menos perpetuam-se os hábitos de sentar lado a lado de um grupo de pessoas admiradas, abandonando os celulares em algum lugar, quase sempre confuso, de uma bolsa de mulher e, durante algumas horas, se dedicar a conversas triviais, sérias ou até geográficas, por que não?
Existe algo divino e poético nas amizades cultivadas. Aquelas que permanecem após uma “lista de 10 anos atrás”. A mente fica leve ou, às vezes, mais temerosa com a retrospectiva do que foi vivido. Afinal, nem sempre tudo acontece como desejaríamos e nem sempre podemos aliviar a dor que atinge o outro (os grandes aliados são construídos neste momento). Mas o amigo não cobra isso, ele não exige nem a presença contínua. Não precisa. Ele sabe que o outro está lá, ainda que ausente fisicamente e com o qual pode contar sempre.
Nas relações que cruzam o tempo não há sentimentos em liquidação. Os sentimentos que alimentam uma amizade são caros, de alta fixação e se projetam a longas distâncias, como os mais raros e intensos perfumes. Não se permitem relações monótonas e preguiçosas.
Aos amigos é necessário preservar um tempo de absoluta dedicação. Momentos de abraços, risadas e até lágrimas partilhadas. Para isso, basta um simples convite para tomar um café, uma água ou um vinho. Esses hiatos do tempo, dedicados aos amigos, podem solucionar as piores dores e abrir novas possibilidades, já que são capazes de prestar atenção nos detalhes e ver aquilo que parecia tão obscuro. Poucas coisas são tão atraentes como isso.
Freud dizia que “juntamente com as exigências da vida, o amor é o que mais educa” e sabe-se que o viver é um dançar diante do caos, então, é melhor que seja vivido com o amor que une os amigos. Eles ajudam a existir.
No final, é isso que a baiana tem.