De mão dada com idosa -  (crédito: PxHere)

Direitos assegurados dos idosos

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O recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o regime de bens a ser aplicado para pessoas com mais de 70 anos, parece demonstrar um avanço do Direito em relação à compreensão do envelhecimento e da autonomia individual. Este julgamento, um dos primeiros de 2024, traz à tona uma necessária discussão sobre a capacidade, autonomia e, sobretudo, o direito das pessoas idosas.


Para compreendermos a perspectiva do direito brasileiro sobre o envelhecimento, é importante destacar que aos 70 anos a pessoa é automaticamente considerada incapaz para determinados atos da vida civil. Não é outra coisa o que podemos apreender da leitura do disposto no artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que determina como obrigatória a adoção do regime de separação total de bens para aqueles que completarem 70 anos e pretenderem se casar ou assumir uma união estável. O fundamento da norma é a proteção patrimonial da pessoa idosa, entretanto, o que poderia ser visto como uma cautela pode se revelar, na verdade, como uma forma de discriminação etária, além de uma violação à autonomia individual.


A decisão do STF não apenas questiona a premissa da proteção patrimonial, como a desconstitui, reconhecendo que a obrigatoriedade do regime de separação de bens é desrespeitosa, pois impede que pessoas plenamente capazes, em gozo de suas faculdades mentais, decidam sobre o regime patrimonial mais vantajoso para suas relações. A decisão reafirma o princípio da autonomia individual, central em um Estado Democrático de Direito, em relação ao princípio da proteção patrimonial, permitindo que pessoas com 70 anos ou mais exerçam sua liberdade de escolha quanto aos aspectos de sua vida privada.

 


Não se nega a possibilidade de que pessoas idosas tenham a vida patrimonial devastada em razão de casamentos interesseiros, todavia, pressupor que alguém com 70 anos já perdeu o discernimento para decidir parece desconsiderar o sujeito em prol da proteção patrimonial.


Desafiando o estigma da incapacidade associada à idade avançada, o STF decidiu que o artigo do Código Civil em questão segue em vigor, entretanto, caso alguém com mais de 70 anos queira se casar em qualquer outro regime que não o da separação total de bens, basta que compareça a um Cartório e manifeste tal desejo por meio de uma Escritura Pública.


Na decisão, o STF destacou que a Constituição Brasileira veda expressamente a discriminação por idade, de modo que restrições baseadas exclusivamente na idade são incompatíveis com a Carta Magna. E isto vale para a contração de casamento pelos maiores de 70 anos, como sentenciou o STF, mas também vale para os concursos, para as entrevistas de emprego, para o xingamento em redes sociais que toma em consideração a idade daquele que pretende ofender e muitos outras discriminações escondidas no dia a dia da pessoa em processo de amadurecimento, e que muitas vezes passam despercebidas pelas pessoas que as praticam.


Algo que precisa ser destacado é que a mudança de entendimento sobre os limites de aplicação do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, não alcançará situações anteriores ao novo entendimento do STF, ocorrida em fevereiro de 2024, de modo que processos de herança ou divisão de bens já em andamento não serão afetados, mantendo-se, assim, a estabilidade das relações jurídicas já estabelecidas.