Entender a razão pela qual nos apaixonamos é tentar desvendar um dos mistérios mais belos da condição humana. A paixão, frequentemente confundida com o amor, difere deste em essência e manifestação. Enquanto o amor é um sentimento profundo de conexão e compreensão, a paixão assemelha-se mais a uma tempestade de desejo e anseio, muitas vezes marcada pela falta e pela incompletude.
André Comte-Sponvillle, em seu livro “O Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” aborda o amor como uma virtude fundamental. Ele argumenta que o amor é um ato de vontade, uma escolha ética e uma expressão da liberdade. Em contraste com a paixão, que pode ser vista como um impulso ou uma reação, o amor é uma decisão consciente de se preocupar com o bem-estar do outro, uma escolha de nos comprometermos.
A paixão pode ser descrita como uma força avassaladora que domina e consome. Estar apaixonado é cultivar ilusões sobre o amor, sobre o outro e, principalmente, sobre nós mesmos. Ela é como uma chama que arde intensamente, mas de forma efêmera. Essa natureza efervescente da paixão tem suas raízes na ausência e na falta. O apaixonado se vê constantemente em busca de algo que parece estar sempre um pouco além do seu alcance. Essa busca incansável é geralmente egoísta, focada mais nas necessidades do amante do que nas do objeto da paixão.
O objeto amado é visto pelo amante como sua posse, fazendo com que a paixão seja ciumenta, ávida e possessiva. Ao invés de se regozijar com a felicidade do outro, o amante sofre com ela caso não lhe seja totalmente direcionada. O amante quer o outro como quem deseja um prato de comida para se fartar, de modo que a paixão, ao contrário do amor, não pode ser considerada uma virtude.
Biologicamente, a paixão é impulsionada por uma explosão de hormônios e reações químicas. Quando nos apaixonamos, nosso cérebro libera uma enorme quantidade de dopamina e ocitocina, gerando sensações de euforia e intensa atração. Essa reação química é parte do que nos faz sentir aquela sensação de que estamos vivos e vibrantes quando apaixonados.
Mas tudo o que foi dito não nos oferece uma resposta definitiva para a pergunta: por qual razão nos apaixonamos? Simone de Beauvoir nos ensina que a paixão nasce do tédio. Só quando a monotonia do mundo nos parece demais assoladora é que começamos a sonhar com novas possibilidades. Ela não aparece quando a vida nos satisfaz, nem tampouco quando ela nos esmaga. A paixão precisa de espaço para se fazer presente.
E havendo esse espaço, nos apaixonamos porque somos jovens, porque estamos em processo de envelhecimento, porque estamos fortes, porque estamos fracos, porque estamos atentos, porque estamos distraídos, porque nossa música favorita tocou no momento exato, porque o sol nasceu ou porque ele não nasceu, porque alguém nos olhou de modo atento ou o contrário, porque alguém não nos olhou. Enfim, as razões pelas quais nos apaixonamos podem variar de modo indefinido, pois, muitas vezes, não é necessariamente pelo objeto amado que nos apaixonamos, mas sim por aquilo que sentimos por nós mesmos quando estamos apaixonados.
A paixão, embora retratada como uma tempestade de emoções efêmeras e, muitas vezes, egoístas, não é um sentimento a ser evitado. Pelo contrário, ela pode ser a semente de algo mais duradouro e profundo. A transformação da paixão em amor não é automática nem garantida, ela é um processo que deve ser trabalhado com consciência e atenção. Ela envolve a transição do “eu apaixonado” para o “nós comprometido”, onde os parceiros se veem como colaboradores de uma vida compartilhada ao invés de meros objetos de desejo.