Ao longo da história, a morte sempre foi um tema incômodo. Apesar de ser a única certeza da vida, preferimos mantê-la distante, quase como se não nos dissesse respeito. Quando falamos da morte, na maioria das vezes, falamos da morte do outro, nunca da nossa própria extinção. Evitamos pensar que, um dia, deixaremos de existir. Essa negação, no entanto, vai muito além de apenas não encarar o fim, ela também afeta o modo como lidamos com o envelhecimento.

 


O processo de envelhecimento, além de ser biológico, é também um lembrete da nossa própria finitude. Cada ruga, cada cabelo branco, cada dor que surge, nos mostra que o tempo está passando e que nosso fim se aproxima. No entanto, como nossas sociedades exaltam a juventude como valor supremo, muitas vezes somos incapazes de aceitar pacificamente o processo natural, e criamos mecanismos para negar o envelhecimento.

 




   

Ernest Becker, em seu livro A Negação da Morte, argumenta que o medo da morte é o principal condutor das ações humanas. Para evitar o pavor existencial que esse medo causa, criamos sistemas elaborados de negação. Projetamos a ilusão de que podemos prolongar nossa existência por meio de crenças, legados, fama ou ideologias. Isso, segundo o autor, pode até nos permitir uma fuga temporária da realidade, mas apenas até que sua inevitável ocorrência bata às nossas portas.

 

Assim como evitamos pensar sobre nossa própria morte, negando-a, também fazemos com o envelhecimento. A velhice em nossas sociedades, muitas vezes é tratada como uma doença, algo a ser curado ou, no mínimo, disfarçado. Cosméticos anti-idade, cirurgias plásticas e procedimentos estéticos se tornaram o novo normal em uma cultura que recusa a ideia de que envelhecer é natural. A velhice é vista como o início do fim, e o fim é algo que preferimos ignorar.

 

 

No entanto, essa negação da morte e do envelhecimento tem consequências para as quais precisamos nos atentar. Ao ignorarmos nossa própria mortalidade, também marginalizamos aqueles que mais nos lembram dela: os idosos. Nas sociedades modernas, vivemos uma cultura que marginaliza a morte, tratando-a como um acidente ou um fracasso médico. E o envelhecimento segue a mesma direção. Em vez de se apresentar como uma fase natural da vida, ele é mascarado, transformado e negado. Isso resulta em preconceito contra aqueles que envelhecem.

 

Martin Heidegger, filósofo alemão, propôs em seu livro Ser e Tempo que viver autenticamente só é possível quando aceitamos a morte como parte inevitável da vida. Ele sugere que, ao encarar a morte de frente, nos libertamos da superficialidade e das distrações cotidianas, o que nos levaria a fazer escolhas mais alinhadas com a nossa verdade interior. Contudo, ele argumenta que nossas sociedades ignoram a realidade da finitude e vivem uma espécie de negação coletiva, na qual o sujeito se torna escravo da rotina e se esquece da escassez do seu tempo.

 

Essa negação da morte, e do envelhecimento, como consequência, nos aprisiona em uma vida inautêntica, marcada pela necessidade de aprovação social e pela busca incessante por juventude, sucesso e reconhecimento, como se fossem, de fato, formas de escapar da inevitabilidade da morte. Ao evitarmos nos perguntar sobre nossa própria extinção, acabamos perdendo tempo demais com coisas banais. Encarar o envelhecimento e a morte nos liberta das expectativas sociais superficiais e nos dá a chance de viver com autenticidade.
   

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