Em quase todo o noticiário, a explicação para a eleição de Donald Trump é justificada pela situação econômica norte-americana. No entanto, pretendo dar outro enfoque para tentar compreender uma outra razão, que também pode justificar o aumento de votos em Trump entre as mulheres, os negros e os latinos, em relação às últimas eleições. Pierre de Bourdieu, um sociólogo francês pode nos dar algumas pistas sobre como as pessoas internalizam discursos que não as incluem e passam a reproduzi-los como se fossem próprios.

 


Em relação às mulheres, Trump já deixou claro suas posições misóginas em diversas oportunidades. Quando foi perguntado sobre se as mulheres que abortam deveriam ser punidas, ele respondeu positivamente, no entanto, quando questionado se o pai também deveria ser punido, Trump manifestou-se peremptoriamente que não. Somado a isso, já disse que mulheres são “porcas gordas” e “cachorras” e que dificilmente uma mulher sem peitos levaria uma nota 10, já que é prática sua classificar as mulheres em uma escala que varia de 1 a 10.

 

 

A situação não muda quando o assunto são os países estrangeiros, já que Trump afirmou em 2018 que as nações africanas, o Haiti e El Salvador eram países “de merda”. Em relação ao México, resumiu a totalidade dos imigrantes, ao dizer que o país enviava aos EUA estupradores, criminosos e traficantes de droga. Em declarações feitas entre os anos de 2023 e 2024, Trump, numa clara atitude racista e xenofóbica, declarou que os imigrantes estavam “envenenando o sangue” dos EUA, pois traziam muitos genes ruins.

 

 


Em relação aos negros, Trump sugeriu que quatro congressistas democratas, todas mulheres negras, deveriam retornar a seus países de origem, apesar de três delas terem nascido nos EUA. A empresa de Trump já foi processada por recusar aluguéis a pessoas negras e mentir sobre a disponibilidade de apartamentos para candidatos negros. Trump chegou, inclusive, a colocar em xeque a autenticidade racial de sua oponente que, segundo ele, usava a identidade negra por razões puramente políticas.


Creio que os exemplos já são suficientes para demonstrar que mulheres, negros e latinos não estão na ordem de prioridade do candidato eleito. A questão que se coloca é, por qual razão pessoas discriminadas aderem a um discurso que, em última instância, as excluem? A maioria de nós acredita que o poder é algo possuído por um grupo de pessoas e exercido sobre outras, como se o poder viesse sempre de cima para baixo. No entanto, o poder também se manifesta em nossa vida cotidiana e é capaz de moldar a realidade e os domínios daquilo que denominamos “verdade”.

 




Segundo Pierre de Bourdieu, existe um poder simbólico, que se manifesta nas relações sociais e atua de maneira indireta, sem uso explícito de violência ou coerção. Esse poder, segundo o autor, é exercido por meio de símbolos, valores, ideologias, normas culturais e práticas que são aceitas e internalizadas pelas pessoas, geralmente sem qualquer questionamento, simplesmente por hábito. O poder simbólico seria uma forma de impor significados, classificações e percepções que, ao serem aceitos como legítimos, ainda que não sejam, contribuem para a manutenção da ordem social.


Essa espécie de poder atua de modo sutil, mas é capaz de impor ideologias e moldar nossa visão sobre quem somos, o que é o mundo e quem são os outros. Para Bourdieu, quando símbolos, discursos e comportamentos são internalizados por nós, eles passam a fazer parte de nossas vidas, sem resistência, criando em nós um sentimento de pertencimento até mesmo em espaços que, na realidade, nos excluem. O apoio a Trump por parte de mulheres, negros e latinos, talvez seja explicado, em parte, como uma tentativa de pertencer a uma estrutura que, historicamente, não foi feita para incluí-los.


O que a eleição norte-americana nos mostra não é simplesmente uma escolha entre dois candidatos, mas como, na prática, as pessoas excluídas dos discursos se alinham a eles. E se alinham não porque se sentem representadas de fato, mas porque internalizaram o poder simbólico que é exercido sobre elas, sem qualquer questionamento sobre o lugar que realmente ocupam no mundo ou como as injustiças a que são sujeitas deveriam ser eliminadas. 

 

 

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