x
Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da Universidade Federal de Lavras, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
VITALidade

Das dores nascem pérolas

A metáfora da ostra feliz que não faz pérolas nos desafia a considerar nossa busca desenfreada por uma espécie de felicidade que não existe

Publicidade

Mais lidas



Rubem Alves, na minha opinião, um dos maiores pensadores brasileiros, escreveu um conto chamado Ostra Feliz não Faz Pérola, no qual explora como o sofrimento pode ser um catalisador em nossas vidas. Por meio da metáfora da ostra, que transforma um grão de areia inconveniente em uma pérola, o autor nos convida a refletir sobre o papel das adversidades na construção de quem somos: aquilo que era um elemento intruso e incômodo, para a ostra, se transforma em algo de valor inestimável.

Já adianto que não farei apologia ao sofrimento, ao contrário, não vou romantizar a dor, quero apenas defender que o sofrimento nunca é algo que desejamos, mas que ele pode ser um fator de transformação em nossas vidas. Muitas vezes, na dor, quando nos recolhemos para dentro de nós, é que temos as melhores oportunidades de aprender mais sobre aquilo que somos e o que nos é essencial. Talvez, por isso, precisemos nos reconciliar com nosso sofrimento, perdoando os imperdoáveis, vendo neles duros mestres, mas portadores de grandes lições.

E o caminho para isso pode ser abraçarmos as dores, ressignificarmos o passado e compreendermos que só somos quem somos hoje em razão de todas as coisas boas e ruins que nos aconteceram. Se temos orgulho de quem somos, portanto, devemos creditar parte disto ao sofrimento que determinadas pessoas ou situações nos causaram e que nos tornaram mais fortes, mais corajosos ou simplesmente, mais capazes de compreender o mundo que nos circunda.
 
Não é incomum que, ao analisarmos retrospectivamente nossas dores, nos fixemos apenas naquilo que doeu, deixando de lado o aprendizado, como se fosse vergonhoso levar joias do sofrimento. Pensado desse modo, o passado é apenas fonte de dor, mas, se concebido como a prova da nossa capacidade de superação, provavelmente chegaremos à conclusão de que somos também resultado das nossas experiências dolorosas, por piores que elas tenham sido.
Aceitar isso não é tarefa fácil, pois precisaremos voltar às memórias dolorosas e nos questionarmos sobre cada uma das lições que elas nos trouxeram, e como nos auxiliaram a nos tornarmos pessoas melhores. É muito provável que cheguemos à conclusão de que foram exatamente aquelas experiências dolorosas as que mais nos ensinaram e, nesse sentido, é provável que até sejamos gratos a elas.
 
Se pensarmos nas ostras, que viram pérolas em razão do atrito com algum elemento externo, voltaremos ao nosso passado com contida alegria, pois o elemento externo – a dor - machuca, mas também extrai de nós o melhor que podemos ser. Assim, o passado deixa de ser apenas um lugar de tristeza e arrependimento, para se transformar também em um local de aprendizado. Alcançada essa compreensão, dor e tristeza são percebidos - como de fato o são - partes da vida, cada uma com suas lições.
 
De alguma maneira, nossas sociedades modernas instagramáveis criaram um modelo de felicidade que está diretamente relacionado à ausência de dificuldade, como se houvesse alguém que de fato pudesse existir assim. Somos inundados cotidianamente com conteúdo retratando vidas e famílias perfeitas, o que na prática é irreal, mas, de algum modo, internalizamos. Nunca somos lembrados sobre as lições que a dor pode nos ensinar, ela é propositalmente ignorada, pois, como sabemos, a maioria de nós não é um bom consumidor quando triste.

Talvez, a resposta seja a de que a felicidade possível se relacione com a habilidade de ressignificar o passado doloroso, reconhecendo nele a contribuição para que nos tornássemos a pessoa que somos hoje. Se conseguirmos, passaremos a ser gratos por cada incômodo, pois foram o combustível da nossa transformação. Assim elaborado, ao invés de lamentar as dores, as assumimos como parte da história que nos trouxe até aqui.
Ellen Cristie 

Tópicos relacionados:

apologia ostra perola vida

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay