Para mim, as palavras têm um significado profundo. Costumo brincar mentalmente com os vários sentidos de uma palavra ou expressão. Há algumas palavras que gosto mais, outras que gosto menos. Minha palavra preferida da língua portuguesa é “adorável”! Não sei justificar muito bem a razão da minha devoção por esta palavra, mas, na minha opinião, quando algo é adorável, essa coisa alcançou um lugar acima do bem e do mal, mas o fez com sutileza.
 
 
 
 
Em tempos de amores líquidos e relacionamentos expressos, palavras antes dotadas de um significado profundo acabaram ganhando contornos bastante imprecisos. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a palavra “amigo”. Antes destinada a uma espécie de amor-alegria, partilhado com algumas poucas pessoas, tornou-se tornou lugar comum na boca de pessoas que, muitas vezes, por não saberem o nosso nome, a utilizam como substituto.
 
 

 

 
As palavras são o nosso meio de compreender o mundo e, na medida em que diluímos seu valor, nossa compreensão sobre seu significado tende a ser prejudicada também. A palavra amigo não deveria ser usada como uma expressão conveniente para aquelas pessoas que não sabemos nomear ao certo. “Amizade” é a expressão que usamos para adjetivar um dos elos mais fortes que pode haver entre duas pessoas, pois desprovido do sentimento de posse, que geralmente acompanha o amor.
 

É muito provável que as redes sociais tenham, de algum modo, influenciado a nossa percepção sobre o real significado de “ter amigos”, que passaram a valer mais por sua quantidade do que por sua qualidade. Não sobra espaço, nas curtidas e mensagens eletrônicas, na maioria das vezes, um tempo para um olhar compreensivo, capaz de dizer muito sem usar nenhuma palavra, ou para o abraço que é capaz de emudecer, ainda que por alguns instantes, a nossa angústia.
 
 
 
 
 
Não podemos permitir que, na ânsia de chamarmos a todos de amigos, esqueçamos o verdadeiro significado de ter a amizade de alguém. Não se trata de um mero exercício de linguagem ou uma questão semântica menor, mas sim de uma questão existencial. As palavras não são meros signos linguísticos usados para nossa comunicação, elas são o fio com o qual tecemos nossa compreensão de mundo.
 
 
Ao dizer que algo é adorável, estou conferindo a este algo um lugar de destaque no meu universo. Trata-se de uma experiência que transcende a mera aparência, e que envolve uma conexão íntima com aquilo que considero belo ou digno de consideração. Do mesmo modo, quando chamo alguém de “amigo”, estou reconhecendo uma relação que vai além do casual, nomeando uma parceria na qual ambos são transformados mutuamente.
 
 
Há um filósofo da linguagem chamado Ludwig Wittgenstein, que dedicou boa parte da sua vida a compreender como a linguagem dá sentido ao mundo, chegando a afirmar que os “limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ora, se as palavras é que nos possibilitam compreender o mundo, caso elas percam a precisão ou a profundidade, é possível que também o mundo que construímos seja colocado em risco. Não acredito que seja exagero pensar que a banalização do uso da palavra amigo empobrece nossa experiência de vida.
 

O significado das palavras está no seu uso, pois, é no contexto do dia a dia, na relação entre o que dizemos e fazemos, que as palavras ganham vida. Ao chamarmos qualquer pessoa de amigo, estamos reduzindo o conceito de amizade a algo raso e utilitarista, o que passa ao largo de sua intenção primária, que é nos permitir ter alguém ao lado que nos dê suporte existencialmente. 

 
 
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