Rubem Alves, na minha opinião, um dos maiores pensadores brasileiros, escreveu um conto chamado Ostra Feliz não Faz Pérola, no qual explora como o sofrimento pode ser um catalisador em nossas vidas. Por meio da metáfora da ostra, que transforma um grão de areia inconveniente em uma pérola, o autor nos convida a refletir sobre o papel das adversidades na construção de quem somos: aquilo que era um elemento intruso e incômodo, para a ostra, se transforma em algo de valor inestimável.
Já adianto que não farei apologia ao sofrimento, ao contrário, não vou romantizar a dor, quero apenas defender que o sofrimento nunca é algo que desejamos, mas que ele pode ser um fator de transformação em nossas vidas. Muitas vezes, na dor, quando nos recolhemos para dentro de nós, é que temos as melhores oportunidades de aprender mais sobre aquilo que somos e o que nos é essencial. Talvez, por isso, precisemos nos reconciliar com nosso sofrimento, perdoando os imperdoáveis, vendo neles duros mestres, mas portadores de grandes lições.
E o caminho para isso pode ser abraçarmos as dores, ressignificarmos o passado e compreendermos que só somos quem somos hoje em razão de todas as coisas boas e ruins que nos aconteceram. Se temos orgulho de quem somos, portanto, devemos creditar parte disto ao sofrimento que determinadas pessoas ou situações nos causaram e que nos tornaram mais fortes, mais corajosos ou simplesmente, mais capazes de compreender o mundo que nos circunda.
Não é incomum que, ao analisarmos retrospectivamente nossas dores, nos fixemos apenas naquilo que doeu, deixando de lado o aprendizado, como se fosse vergonhoso levar joias do sofrimento. Pensado desse modo, o passado é apenas fonte de dor, mas, se concebido como a prova da nossa capacidade de superação, provavelmente chegaremos à conclusão de que somos também resultado das nossas experiências dolorosas, por piores que elas tenham sido.
Aceitar isso não é tarefa fácil, pois precisaremos voltar às memórias dolorosas e nos questionarmos sobre cada uma das lições que elas nos trouxeram, e como nos auxiliaram a nos tornarmos pessoas melhores. É muito provável que cheguemos à conclusão de que foram exatamente aquelas experiências dolorosas as que mais nos ensinaram e, nesse sentido, é provável que até sejamos gratos a elas.
Se pensarmos nas ostras, que viram pérolas em razão do atrito com algum elemento externo, voltaremos ao nosso passado com contida alegria, pois o elemento externo – a dor - machuca, mas também extrai de nós o melhor que podemos ser. Assim, o passado deixa de ser apenas um lugar de tristeza e arrependimento, para se transformar também em um local de aprendizado. Alcançada essa compreensão, dor e tristeza são percebidos - como de fato o são - partes da vida, cada uma com suas lições.
De alguma maneira, nossas sociedades modernas instagramáveis criaram um modelo de felicidade que está diretamente relacionado à ausência de dificuldade, como se houvesse alguém que de fato pudesse existir assim. Somos inundados cotidianamente com conteúdo retratando vidas e famílias perfeitas, o que na prática é irreal, mas, de algum modo, internalizamos. Nunca somos lembrados sobre as lições que a dor pode nos ensinar, ela é propositalmente ignorada, pois, como sabemos, a maioria de nós não é um bom consumidor quando triste.
Talvez, a resposta seja a de que a felicidade possível se relacione com a habilidade de ressignificar o passado doloroso, reconhecendo nele a contribuição para que nos tornássemos a pessoa que somos hoje. Se conseguirmos, passaremos a ser gratos por cada incômodo, pois foram o combustível da nossa transformação. Assim elaborado, ao invés de lamentar as dores, as assumimos como parte da história que nos trouxe até aqui.
Ellen Cristie