Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
VITALIDADE

Querer ser "normal" pode ser um problema

É preciso que nos libertemos um pouco das expectativas alheias, permitindo que nossos próprios valores nos guiem

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Eu não vejo problema algum em não ser completamente normal, ao contrário, tenho por tendência achar as pessoas muito normais entediantes, a não ser quando começo, por pura curiosidade, a vasculhar aquela normalidade latente que me apresenta, para encontrar nela suas contradições. Há um termo na psicologia, chamado normose, que se refere a comportamentos, valores, crenças ou padrões que são considerados normais para a sociedade, mas que, para o indivíduo, podem ser nocivos ou limitantes. É uma espécie de patologia da normalidade, que faz com que aceitemos padrões culturais ou sociais que são amplamente aceitos, sem nos questionarmos se eles promovem o nosso bem-estar ou o nosso crescimento pessoal.


Aprendemos desde criança a nos encaixarmos nas regras e padrões sociais, assim, é da nossa natureza querer se adequar, pois nos foi introjetada a ideia de que só desse modo seremos amados. Portanto, se permitir não se moldar completamente pelo desejo do outro é um ato de rebeldia, que, muitas vezes, só vamos adquirindo à medida que os anos passam. Com eles, vamos aprendendo que para se ter uma vida autêntica, é preciso renunciar a algumas espécies de amores, principalmente àqueles que pretendem nos colocar em caixas que não foram feitas para nós.


Questionar essa normalidade, que a tudo parece envolver, não é tarefa simples, pois ela é reforçada por escolas, religiões, famílias e pela mídia, que nos direcionam para a construção de uma ponte que, em tese, nos levaria diretamente aquilo que eles entendem ser uma vida bem-sucedida. Para que criemos nossas próprias pontes, aquelas que nos conduzem àquilo que nós genuinamente acreditamos ser uma vida boa, é preciso que consideremos que a ponte anterior foi criada em linha de produção, e que nós temos a tarefa de construir uma nova artesanalmente, uma que considere nossa singularidade.


Assumir para nós a tarefa de construção dessa nova ponte é o mais profundo ato de amor para nós mesmos, pois ele é que nos permite nos abrirmos para uma vida autêntica. Há muitas interpretações para o que pode significar uma vida autêntica, mas quando me perguntam, costumo dizer que viveu autenticamente aquele que, próximo da sua morte, pode afirmar para si mesmo que viveria aquela vida novamente, com seus erros e acertos. No entanto, para que isso aconteça é preciso que nos libertemos um pouco das expectativas alheias, permitindo que nossos próprios valores nos guiem, ainda que para isso tenhamos que renunciar a alguns afetos.


Kierkegaard, um dos precursores do existencialismo, dizia que a “verdade de ser si mesmo” só é alcançada com a completa aceitação de ser quem se é, com todas as imperfeições, contradições e, inclusive, com as más-escolhas. O autor não sugere que devemos transgredir todos os padrões sociais estabelecidos, mas apenas que questionemos quais deles fazem sentido em nossas vidas e quais não, ao invés de vivermos uma vida que não nos satisfaz, permanecendo nela apenas pelo medo da rejeição ou pelo desejo de aceitação social.


É só por meio da autoaceitação que nós conseguimos nos libertar da normose, desconstruindo os falsos deuses que nos foram introjetados, e que em nada se parecem com a pessoa que somos ou com os valores que nos são essenciais. Quando aceitamos quem somos, com nossas virtudes, defeitos e contradições, é que temos a possibilidade de perceber que a “perfeição”, tão glorificada em nossas culturas, é uma ilusão, que tem como finalidade apenas nos transformar em sujeitos dóceis. 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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