“Quando perdemos o John (em 1980), sabíamos que tudo estava realmente acabado. Mas, em 1994, surpreendentemente, surgiu uma oportunidade interessante, na qual poderíamos fazer mais música juntos”, disse Paul McCartney, no mini documentário “Now and then – The last Beatles song”, de Oliver Murray, disponibilizado no canal de YouTube dos Beatles, na última quarta-feira (1º/11).

Paul se referia à música “Now and then”, composta por John Lennon no final da década de 1970, mixada inicialmente em 1995, mas lançada somente nesta quinta-feira (2/11).

Gravada de forma caseira por John, a canção contava apenas com sua voz acompanhada de um piano. A gravação, que estava com Yoko Ono, foi entregue a Paul em 1994. "Na demo de John, o piano era um pouco difícil de ouvir", lembrou o ex-beatle no filme. "E naquela época, é claro, não tínhamos a tecnologia para fazer a separação (dos sons do piano e da voz de John)”.

Ao receber a demo, Paul reuniu Ringo Starr e George Harrison em seu estúdio e propôs a gravação do single. Convite aceito, a produção do single começou em 1995.


NA GAVETA

A música, contudo, ficou engavetada nos últimos 28 anos. Rumores sugerem que o motivo foi o descontentamento de George com o resultado. Paul, no entanto, nunca confirmou os boatos, tampouco negou-os. No mini documentário de Murray, diz somente que “Now and then” ficou na gaveta e, em 2001, com a morte de George, perdeu o fôlego para lançá-la.

Foi só com a estreia de "The Beatles: Get back" (2021), filme no qual o diretor Peter Jackson lançou mão da Inteligência Artificial para capturar o som do áudio em mono dos Beatles, que Paul decidiu voltar a "Now and then". Com a tecnologia usada no longa, sugeriu recriar a voz de John.

Assim foi feito. Com a voz do parceiro de grupo recriada, Paul aproveitou a gravação da guitarra que George fez em 1995 e criou uma nova linha de baixo para a música. Convidou Ringo para gravar novamente a bateria e ainda adicionou uma orquestra.

O resultado dividiu a opinião de beatlemaníacos. Marcelo Thomé, que foi guitarrista da banda cover de Beatles Anthology – o grupo mineiro está em intervalo sem previsão de volta –, ficou emocionado ao escutar o single e confessou ter chorado na parte do solo.

“Eu estava com certo pé atrás, mas os caras estão muito amadurecidos, né? Eles sabem o que vai dar certo e o que não vai, o que vai ser sucesso e o que pode ser um grande risco”, diz. “E, de um modo geral, acho que ‘Now and then’ é sucesso total.”

Já o músico e organizador do BH Beatle Week Aggeu Marques pensa diferente. Embora tenha se sentido animado com o lançamento, ficou desapontado com a música, que, segundo ele, parece mais “uma dessas músicas dos últimos discos do Paul McCartney (‘Egypt Station’ e ‘McCartney III’)”.

“Meu beatle favorito sempre foi o Paul, mas acho que a produção dessa música ficou muito na mão dele. Achei que faltou um produtor falar com ele: ‘Pô, peraí, o disco é dos Beatles’”, comenta Marques.

“Num todo, a música é fraca do ponto de vista de harmonia e de melodia, e tem um solo pouco inspirado. O arranjo, de maneira geral, também não ficou bacana. Achei muito simples pela grandiosidade do momento”, opina.

“E outra coisa”, continua ele, “É um perigo muito grande gravar música em tom menor. Ela tem que ser muito boa. E, aí, estamos falando de ‘Eleanor Rigby’, ‘Because’, ‘Sonata ao luar’, de Beethoven; que são músicas em tom menor, mas são muito bonitas. ‘Now and then’ é uma música em tom menor muito óbvia, você sabe para onde o arranjo vai”, aponta.


JOHN E PAUL

Compartilham da mesma opinião de que “Now and then” ficou muito semelhante às canções que Paul e John fizeram em carreira solo o jornalista e beatlemaníaco Alexandre Salum e o vocalista da banda Hocus Pocus, Beto Arreguy.

“É uma música bem no estilo do John Lennon, né?”, compara Salum. Já Arreguy destaca que “Now and then” “parece que é uma das canções do John ou do Paul, depois da dissolução dos Beatles”.

O baterista da banda cover de Beatles Sgt. Peppers Marcelo Carrato, por sua vez, discorda. Para ele, o resultado final de “Now and then” está dentro da proposta romântica da música. “Acho que não podia fugir muito disso. Não dava para carregar demais nos arranjos, porque isso poderia dar uma mascarada na música, colocando em segundo plano o que John deixou”, avalia.