Roma, Vaticano — Cleberson Vinicius, de 14 anos, um dos 25 jovens da periferia do Recife que compõem a Orquestra Criança Cidadã, chegou ao Vaticano a passos largos carregando um contrabaixo, um violino de uma colega e uma mochila. Entrou na Basílica de São Pedro confiante de que o Concerto pela Paz ficaria marcado na sua memória: "Isso tudo tem uma importância grande na minha vida. Não é todo dia que se toca para o papa, não é?".
A iniciativa da Charis Internacional e Obra de Maria contra a insensatez das guerras emocionou o líder máximo da Igreja Católica: "Esses jovens estão fazendo um grande esforço em prol da paz. A guerra destrói tudo. Ela tira a humanidade, destrói a humanidade", discursou o pontífice para mais de 6 mil pessoas, no último sábado (4/11).
Russos, ucranianos, italianos e brasileiros se uniram na celebração pela paz. Um casal de violinistas, a jovem russa Zlata Synkova e o jovem ucraniano Aleksandr Puzankov, simbolizaram essa união, ao fazerem o solo no fim da apresentação.
João Targino, coordenador-geral da Orquestra Criança Cidadã, explicou em discurso para o papa que a proposta musical, independentemente de posicionamentos a favor de um ou outro país, é um convite à reflexão. "Os concertos propostos em comunhão fraterna entre músicos brasileiros, italianos, russos e ucranianos pretendem afirmar a mensagem de que, na arte, não há guerra. É necessário sublinhar que os Concertos pela Paz não têm como objetivo julgar se há razão ou direito nas contendas pertencentes a um ou outro país", ressaltou Targino.
A chegada do papa foi apresentada ao som de “Messias”, de Händel. O Papa Francisco não só fez reflexões sobre a guerra, mas aproveitou para pedir unidade à própria igreja. "Não existe um mais carismático do que outro", disse, referindo-se ao movimento Renovação Carismática, organizadores do evento.
Depois da fala do papa, o concerto foi retomado com “No reino da Pedra Verde”, de Clóvis Pereira, uma das peças do Movimento Armorial. Na sequência, o papa passou em meio à orquestra e desceu ao nível da plateia para cumprimentar os presentes e se despedir. A apresentação musical teve ainda o prelúdio de “Bachianas brasileiras n° 4”, de Villa-Lobos, “Oblivion, Erbarme dich Mein Gottp”, com solo ao violino de um ucraniano e uma russa; “Aquarela do Brasil” e “Por una cabeza”, tango escolhido em homenagem ao pontífice, que é argentino.
Os Concertos pela Paz foram executados no Vaticano na sexta (3/11) e sábado, sob regência de José Renato Accioly e Lanfranco Marcelletti, encabeçados pela Orquestra Criança Cidadã, do Recife, em parceria com a Fondazione Calvasassi, da Itália. Ao longo dos últimos meses, foi somado aos preparativos logísticos o desafio de reunir representantes da Rússia e Ucrânia, rivais em um conflito bélico desde fevereiro do ano passado, com a estimativa de cerca de 200 mil mortes.
A Orquestra Cidadã foi criada em 2006, no Coque, um dos bairros com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano do Recife. Os alunos recebem não somente aulas de instrumentos de cordas, sopros e percussão, teoria musical, flauta doce e canto coral, mas também apoio pedagógico, atendimento psicológico, médico e odontológico, aulas de inclusão digital, três refeições por dia e fardamento. Dos 700 jovens atendidos ao longo dos 18 anos do projeto, vários seguiram a carreira artística, como o contrabaixista Antonino Tertuliano, atualmente mestrando na Universidade Munique.