Obra de Ariano Suassuna (1927-2014) é tema da última edição de 2023 do Letra em 
Cena, amanhã, com entrada gratuita -  (crédito:  Silva Júnior/Folhapress – 6/6/13)

Obra de Ariano Suassuna (1927-2014) é tema da última edição de 2023 do Letra em Cena, amanhã, com entrada gratuita

crédito: Silva Júnior/Folhapress – 6/6/13

 

Em 1972, um concerto na Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Recife, mudou a vida do violinista Antonio Nóbrega, na época com 18 anos. Depois da apresentação em que tocou duas obras de Bach, conheceu Ariano Suassuna (1927-2014). O escritor já era um intelectual influente no meio local, mas sua figura e sua obra ainda estavam distantes do tamanho que tomariam nos anos posteriores.

Naquela noite, Nóbrega recebeu um convite. Ariano queria que ele integrasse o Quinteto Armorial, grupo fundado um pouco antes, que se propunha a fundir música erudita com raízes na cultura popular. Então, um músico de formação clássica permaneceu quase uma década no Armorial, mas sua relação com Ariano foi muito além. Tornou-se amigo e discípulo – e os dois estiveram juntos até a morte do escritor, quase uma década atrás.


Nóbrega chega nesta terça (14/11) a Belo Horizonte para encerrar a edição 2023 do projeto Letra em Cena. No teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas, o artista vai conversar com o jornalista José Eduardo Gonçalves sobre Ariano e a cultura popular.

“Não sou teórico nem estudioso de literatura. Pretendo falar da ligação não só da obra dele, mas da atividade pública em torno da cultura brasileira. Na vertente popular, vou mostrar o que é que tem a ver um dançarino, cançonetista, músico e pensador, dentro deste contexto”, afirma ele, hoje com 71 anos.

Antonio Nóbrega a convite de Ariano Suassuna integrou o Quinteto Armorial; desde então, foram  parceiros de vida e arte

Antonio Nóbrega a convite de Ariano Suassuna integrou o Quinteto Armorial; desde então, foram parceiros de vida e arte

Silvia Machado/Divulgacao.

MOVIMENTO ARMORIAL

O violinista foi se desdobrando em outras artes a partir de sua inserção no Movimento Armorial, que Ariano fundou no início da década de 1970. “Nos anos iniciais do Quinteto, ele participava das apresentações do grupo (uma gênese do que vieram a se tornar suas populares aulas-espetáculo). Aqui e acolá contava histórias. Três anos depois, quando ele deixou de fazer a participação, me pediu que fizesse o que ele fazia”, acrescenta Nóbrega.

“Longe”, ele diz, “de me igualar ao mestre”, Nóbrega passou também a ter uma participação no Quinteto que ia para além da música. “Inexperiente, com pouco mais de 20 anos, tomei o encargo e fui amadurecendo ao longo dos anos. Ele me instigava nas leituras do universo ao qual estava me concentrando como artista, que tinha referência tanto nas raízes populares quanto nas influências eruditas.”

Mestre e discípulo acabaram se tornando parceiros. “Uma parceria bem sutil. Musiquei dois poemas que estão em ‘A pedra do reino’ (1971) e outros três poemas autorais”. Alguns deles serão apresentados no Ler em Cena. Para Nóbrega, a epopeia de mais de 700 páginas, em que o protagonista-narrador, Quaderna, mostra como foi parar na prisão e luta para reaver sua identidade, é a grande obra de Ariano.
“Ele tem uma obra vasta no campo da dramaturgia, dentro da qual desponta ‘Auto da Compadecida’ (1955), a peça que lhe deu reconhecimento. Já ‘A pedra do reino’ não tem a mesma aderência popular, mas literariamente é muito bem construída. Ela é importante porque traz para o leitor certa presença de Ariano que a dramaturgia não deu.”

AULAS-ESPETÁCULO

Quase uma década depois de sua morte, Ariano é um autor popularíssimo não só por sua obra escrita, mas principalmente por sua figura. Trechos de entrevistas e das famosas aulas-espetáculo são reproduzidos à exaustão na internet. “Ariano entrou nas nossas casas principalmente pelo YouTube. O bom humor é uma marca indelével dele. Era impressionante como tirava partido das coisas comezinhas da vida.”

No entanto, Nóbrega acredita que tal popularidade tenha tirado luz de vertentes mais profundas do pensamento de Ariano. “O tom bem-humorado acoberta um pouco o intelectual, o homem preocupado com os destinos do Brasil. Isto encontro nas crônicas, já que foi um cronista muito assíduo, que tratava de assuntos da maior importância política para o Brasil. E isso passa um pouco despercebido.”

ABRANGÊNCIA NACIONAL

De certa forma, isto também se reflete no próprio Movimento Armorial. “Há uma tendência em se regionalizar o movimento, o que dificulta um pouco uma espécie de abrasileiramento do conceito de Armorial. Ele nasceu na mesma época do Tropicalismo, que tem uma abrangência de citações muito maior. O fato de o Ariano ser uma figura muito emblemática do Movimento Armorial fez com que ele ficasse ligado a referências populares de natureza nordestina, o que acho que não é”, continua Nóbrega, que chama de ‘guetificação’ o fato de o Armorial ser muito ligado a Pernambuco e Paraíba, quando deveria ser abrangência nacional.
Tal reflexão Nóbrega pretende fazer no encontro com o público mineiro. “O que quer dizer o encontro da arte erudita com referência na popular? Como identificar numa obra o que é popular? Será que arte popular não tem um tipo de erudição? É uma reflexão que me vi na contingência de fazer”, conclui. 

LETRA EM CENA ESPECIAL
Antônio Nóbrega fala sobre Ariano Suassuna e a força da cultura popular. Nesta terça (14/11), às 19h, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca. Ingressos devem ser retirados no sympla.com.br.