Na comédia dramática

Na comédia dramática "Maestro (s)", de Bruno Chiche, Pierre Arditi vive o regente François Dumar, que está ressentido pelo sucesso do filho, também maestro

crédito: Julien Panie/Divulgação


Rio de Janeiro – “Pais e filhos não foram feitos para ser amigos. Foram feitos para ser pais e filhos.” A frase, certeira como sempre, é de Millôr Fernandes (1923-2012). Cai também como uma luva para dois filmes que integram a programação do Festival Varilux de Cinema Francês. Em BH, o evento vai até 22 de novembro nos cines Ponteio, Belas Artes e Minas Tênis.

De trama e estilos dramáticos absolutamente distintos, “Maestro (s)”, de Bruno Chiche, e “O livro da discórdia”, de Baya Kasmi, se aproximam por contar histórias sobre famílias, em especial da relação entre o pai e seu filho – e como eles, a despeito das diferenças, trazem muito um do outro.
Comédia dramática, “Maestro (s)” acompanha dois regentes da família Dumar que atuam em orquestras parisienses. François (Pierre Arditi) deu origem à linhagem. No outono da vida, o veterano está ressentido. O sucesso do filho, Denis (Yvan Attal), o incomoda tanto que não vai a (mais uma) premiação em que ele sagrou-se como maestro do ano.

INSPIRAÇÃO REAL

Mas sua sorte parece estar mudando: acaba de receber um telefonema que vai transformar sua carreira. Vai se tornar diretor artístico do lendário Scala, de Milão, sonho de muitos anos. Logo aparece um porém. O convite foi feito para o Dumar errado. Na verdade, o cargo é de Denis. Quando este fica sabendo da confusão, não comemora. Sabe quão difícil será falar com o pai.

"O livro da discórdia", de Baya Kasmi, acerta na comédia sobre o escritor Youssef  Salem (Ramzy Bedia), autor de romance inspirado nos pais e irmãos argelinos

"O livro da discórdia", de Baya Kasmi, acerta na comédia sobre o escritor Youssef Salem (Ramzy Bedia), autor de romance inspirado nos pais e irmãos argelinos

Bonfilm/Divulgação

No Rio de Janeiro, onde esteve com a delegação francesa para o lançamento do Varilux, Bruno Chiche afirmou que o que começou como drama familiar ganhou o universo da música após conversa com uma amiga – com marido e sogro regentes. “Ela me disse que o sonho do sogro era dirigir o Festival de Bayreuth (evento alemão criado em 1876, o maior do mundo dedicado à música de Wagner). De fato, o filho (o marido dela) é quem havia sido convidado para o festival. A partir disso, reescrevi o roteiro.”

“Maestro (s)” traz sequências em salas de concerto e estúdios de gravação. Chiche convidou dois maestros para acompanhar sua dupla de atores. “Nenhum maestro tem o mesmo gesto do outro. O que existe é que a mão direita expressa o tempo (da música), enquanto a esquerda fica responsável pela alma, pela emoção. Depois que os regentes os treinaram, liberei os dois daquela ‘prisão’, pois os queria se expressando livremente.”

O Scala que aparece no longa não é a icônica sala de concertos. “É segredo”, brinca Chiche. “Criei o meu Scala. Na verdade, escolhi um lugar que se parece muito com o teatro, pois precisava de um espaço impressionante, que ‘esmagasse’ os personagens. Mas houve muito trabalho de pós-produção.”

HUMOR ARGELINO

Tabu familiar – “O livro da discórdia” fala de família em outra toada. Aqui, o universo é Marselha, com sua grande comunidade argelina. Youssef Salem (Ramzy Bedia) tem quatro irmãos. Foi o único que trocou a cidade natal por Paris. É escritor, e seu pai, Omar (Abbes Zahmani), tem muito orgulho disto. Obsessivo no francês, corrige o filho desde a infância. Adora que ele escreva sobre grandes figuras da Argélia.

Só que Youssef é um escritor que mal se sustenta e esconde dos pais que o casamento fracassou há dois anos. Depois de também fracassar nos dois primeiros livros, finalmente consegue reconhecimento com “Choque tóxico”, romance inspirado nos pais e nos irmãos e também nos tabus que rodeiam a sexualidade dos argelinos.

O livro provoca um debate na França. E Youssef tenta por todos os meios escondê-lo dos pais. O que se segue é uma comédia muito divertida, com ótimos (e rápidos) diálogos, algum humor físico e também observações ácidas sobre as relações (seja de argelinos ou franceses) no mundo atual.

Filha de pai argelino (“também uma pessoa original como o personagem do filme”) e com três irmãos, Baya Kasmi afirma que a tradição é muito presente não só na sua, mas em todas as famílias. “Sei que com um filme represento toda uma comunidade, então há um senso de responsabilidade. Não poder falar de certas coisas é algo que existe nestas famílias, mas não só. Também está nas católicas, por exemplo.”

O timing dos atores é perfeito. “Sou de uma família que conversa e grita muito, então queria passar isso para a história. Gosto de comédia, e para mim ela funciona quando tem um ritmo que não dá tempo para o espectador pensar. O riso não vem da cabeça, mas da emoção. Por isso, não há tempos vazios. Queria que os atores falassem sem parar. É tudo muito rápido, porque devemos pensar sobre um filme depois dele, não durante”, finaliza a diretora. 

* A repórter viajou a convite da organização do evento

 

FESTIVAL VARILUX DE
CINEMA FRANCÊS
O evento segue até 22 de novembro. Programação completa em variluxcinefrances.com/2023/

“MAESTRO (S)”
(França, 2022, 96min., de Bruno Chiche, com Yvan Attal, Pierre Arditi e Miou-Miou) – Sessões no UNA Cine Belas Artes, quarta (15/11), às 14h; e sábado (18/11), às 20h1; no Centro Cultural Unimed-BH Minas quinta (16/11), às 20h30; no Cine Ponteio, terça (21/11), às 21h15.

“O LIVRO DA DISCÓRDIA”
(França, 2023, 97min., de Baya Kasmi, com Ramzy Bedia, Noémie Lvovsky e Abbes Zahmani) – Sessões no UNA Cine Belas Artes, na terça (14/11), às 20h10; e quarta (22/11), às 16h10; no Cine Ponteio, na quarta (15/11), às 21h10; no Centro Cultural Unimed-BH Minas, na segunda (20/11), às 18h30.