Joel Rufino dos Santos entregou os originais dos dois volumes à editora pouco antes da cirurgia cujas complicações provocaram sua morte, em 2015 -  (crédito: Pallas Editora/Divulgação)

Joel Rufino dos Santos entregou os originais dos dois volumes à editora pouco antes da cirurgia cujas complicações provocaram sua morte, em 2015

crédito: Pallas Editora/Divulgação

“Os miseráveis” à la brasileira. Essa seja, talvez, a melhor definição para “O amor e o nada”, romance póstumo de Joel Rufino dos Santos, que chega agora às livrarias brasileiras pela editora Pallas.

Guardadas as devidas proporções na comparação, o livro do historiador e professor carioca morto em 2015, por complicações em uma cirurgia, se assemelha ao clássico de Victor Hugo ao narrar uma história de amor entre um jovem abastado que abre mão de sua posição na sociedade e uma moça humilde, tendo como pano de fundo uma sociedade em ebulição, que beira a guerra civil.

Se em “Os miseráveis” o jovem Marius (Barão de Pontmercy) larga tudo para ficar com Cosette no momento em que o povo sai armado às ruas clamando pela República; em “O amor e o nada”, o bon-vivant Luís Viegas se apaixona por Júlia, uma jovem carioca suburbana que faz faculdade com ele, durante o período de maior repressão da ditadura militar, quando parte dos brasileiros pedia o fim do regime militar.

No romance de Joel, contudo, a barricada dos republicanos franceses tombada se transforma na sede da União Nacional dos Estudantes, incendiada depois da consumação do golpe. Os “Amigos do ABC”, que combateram e morreram ao lado de Pontmercy na epopeia francesa, passam a ser estudantes da Universidade do Brasil torturados e mortos nos porões da ditadura. E a Paris de 1830 vira o Rio de Janeiro da década de 1960 no livro do carioca.

 

Sugestões sutis


Ao contrário de Victor Hugo, entretanto, Joel é econômico nas palavras. As sugestões valem mais para ele do que a descrição dos fatos e personagens. Muito do que Luís e Júlia sentem um pelo outro é apresentado ao leitor na forma de sugestões, que podem - ou não - se concretizar no final da história.

A indiferença inicial da moça em relação a Luís, por exemplo, é mostrada ao leitor quando Júlia esquece em uma festa o presente que Luís levou para ela. E uma eventual traição entre dois personagens da história é insinuada pelo modo como o narrador descreve a troca de olhares deles.

A história romântica de “O amor e o nada”, contudo, é pretexto para o autor falar sobre o regime militar e os crimes contra os direitos humanos que foram institucionalizados àquela época. Assim, a história de Luís e Júlia se desenvolve em paralelo com o desenrolar da ditadura brasileira.

“É aí que vemos o Joel que escreve literatura e, ao mesmo tempo, o Joel que tem a bagagem de historiador”, ressalta Cristina Warth, responsável por editar as obras do escritor na Pallas.

“Mas, diferentemente do olhar do historiador, ele enxerga os fatos com o olhar de pessoas que viveram aquele período retratado”, comenta, citando outra obra póstuma dele que a Pallas também lançou recentemente: “O rio das almas flutuantes”.

 

Forrest Gump e Saramago


Como bem definiu Rogério Athayde no posfácio deste segundo livro, “O rio das almas flutuantes” é uma espécie de “Forrest Gump” escrito por José Saramago, sem indicações de diálogos e perguntas e exclamações.

O romance acompanha as aventuras de Doutor Samíres. Nascido no Egito, o personagem roda meio mundo antes de levantar tenda no Brasil. Foi aprendiz de filósofo em Roma, escravo sexual no Daomé e traficante de escravos na costa africana.

Todos os infortúnios vividos pelo protagonista são apresentados junto à conjuntura política e social dos países por onde ele passa. E, mais que isso, Samíres, de alguma forma, participa de eventos históricos desses países. “Mais uma característica do Joel historiador”, destaca Cristina.

Joel entregou a ela os originais dos dois romances pouco antes de morrer. No entanto, para viabilizar a publicação, foi necessário a editora entrar em negociação com os familiares do autor. “Não houve nenhum entrave com a família dele. Pelo contrário. Foram todos muito parceiros”, conta Cristina. “A razão de só lançarmos agora, quase 10 anos depois da morte do Joel, é que a filha dele, que mora fora do Brasil, só viria neste ano. Então decidimos fazer o lançamento quando ela estivesse aqui”, explica.

Embora contem com histórias bem distintas, os romances lançados agora apresentam uma característica marcante do autor: o ímpeto de criar narrativas em eventos históricos para dar mais colorido aos fatos.

“Ele fazia isso sempre”, afirma Cristina. “Quando estava batendo papo com os amigos e ia contar algum caso, inventava situações em eventos históricos com a cara mais lavada desse mundo”, diverte-se.

 

Escritor premiado

Joel Rufino dos Santos (1941-2015) ganhou o Prêmio Jabuti em 1979 e em 2008, respectivamente com "Uma estranha aventura em Talalai" e "O barbeiro e o judeu da prestação contra o Sargento da Motocicleta"; e foi finalista duas vezes do prêmio Hans Christian Andersen - espécie de Nobel de literatura infantojuvenil. O escritor foi preso três vezes durante a ditadura militar por causa de seu ativismo político.


“O amor e o nada”
• Joel Rufino dos Santos
• Pallas Editora (232 págs.)
• R$ 65


“O rio das almas flutuantes”
• Joel Rufino dos Santos
• Pallas Editora (144 págs.)
• R$ 52