Morreu nesta quarta-feira (15/11), aos 89 anos, a escritora mineira Maria José de Queiroz. O corpo será velado na Academia Mineira de Letras a partir das 14h. Conhecida pela extensa obra, é autora de mais de 30 títulos, incluindo ensaios, poesias, romances e contos. Foi doutora em letras e catedrática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora visitante de universidades no exterior. Nascida em Belo Horizonte em 29 de maio de 1934, é considerada uma das maiores escritoras da língua portuguesa.
Aos 26 anos, Maria José tornou-se a mais jovem professora catedrática do país e, por concurso, sucedeu o professor Eduardo Frieiro na Faculdade de Letras da UFMG, onde lecionou Literatura Hispano-Americana, e também concluiu o doutorado em Letras Neolatinas. Com uma longa e importante carreira como professora convidada em universidades da Europa e dos Estados Unidos, esteve em Sorbonne, Lille, Bordeaux, Aix-en-Provence, Bonn, Colônia, Indiana, Harvard e Berkeley.
Em 1953, começou a colaborar em jornais de Minas Gerais e escreveu para mais de uma dúzia de periódicos, inclusive o francês Le Monde. Em 1961, publicou o primeiro de seus onze ensaios sobre literatura e, em 1973, estreou como ficcionista. Também foi membro da Academia Mineira de Letras (ocupante da cadeira 40, sucedeu a Affonso Penna Júnior ) que, em 2019, fez homenagem aos seus 50 anos como acadêmica. O romance Terra incógnita foi lançado no evento, assim como a edição revista atualizada do livro de ensaios A literatura encarcerada, ambos pela Caravana Grupo Editorial, de Belo Horizonte.
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Terra incógnita tem a história ambientada no porto do Rio de Janeiro, onde um grande cargueiro aguarda ordem para levantar âncora e tomar o destino da Europa. A bordo, índios, negros e brancos acabam de carregá-lo com toneladas de pau-brasil, além de arcas de ouro das Minas Gerais. Um menino, fugindo de aulas enfadonhas e dos maus tratos do pai, sobe a bordo sem ser notado. Clandestino, ele se esgueira por um corredor escuro, úmido e malcheiroso. Assim começam as aventuras de Damião. Ao sabor de mil e uma peripécias e façanhas que só quem viaja, no livro e na fantasia, pode viver, ele irá inventar tantas histórias quantas as mil e uma noites podem proporcionar.
O livro A literatura encarcerada, que teve a primeira edição em 1980, oferece ao leitor um dramático balanço da literatura do cárcere. Nesse sentido, uma reflexão importante pode ser dele vislumbrada: os corpos podem ser privados da liberdade de ir e vir, mas o espírito não. As memórias, manifestos, cartas, denúncias imortalizados em documentos que os intelectuais detidos produziram são examinados pela escritora e conduzem a uma ética da insubmissão e demonstram, por mais abomináveis que tenham sido as circunstâncias enfrentadas, a verdade fundamental do “penso, logo existo”, ou de suas variantes, “penso, logo resisto”, ou “penso, logo sobrevivo”.
Entre suas obras mais aclamadas, também o romance histórico Joaquina, filha do Tiradentes. Embaralhada em meio ao mais extenso processo jurídico do período colonial, lá está a nova sentença: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era solteiro e tinha uma filha natural. Quase dois séculos se passaram, até que Joaquina, essa obscura criança bastarda da Inconfidência, engolida pela dramática história de um povo em busca da liberdade e de um herói de ascendência amaldiçoada, ganhasse corpo e vulto. E assim se fez em 1987, ao ritmo da trama ficcional bordada por Maria José de Queiroz, nesse livro.
“Num país em que a cultura é um desafio e um defeito, os estudos fundamentais dela sobre escritos do cárcere, do exílio, da literatura, dos indígenas, da pobreza e de tantos outros temas, aliados a uma profunda reflexão sobre a mulher, sobre o papel da mulher intelectual e escritora no Brasil, são ainda pouco estudados”, avalia Lyslei Nascimento, professora de teoria da literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG, pesquisadora e referência sobre a obra de Maria José de Queiroz.
''A língua é a própria alma. É o que nos dá vida, nos traz para o outro. Você fala que gosta de sua mãe, ou de um prato. A sua língua é o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunstância que esteja, quando você tem fome, quando tem solidão, em todos os momentos, a sua língua está ali. A coisa só existe a partir do momento em que há a palavra'', disse Maria José de Queiroz, em certa ocasião.
*Com informações de Bertha Maakaroun