O longa-metragem tem como protagonista um vilão insosso e é o mais musical da série
 -  (crédito: Paris filmes/Divulgação)

O longa-metragem tem como protagonista um vilão insosso e é o mais musical da série

crédito: Paris filmes/Divulgação

Oito anos depois do lançamento do último filme da aclamada saga “Jogos vorazes”, chega aos cinemas “A cantiga dos pássaros e das serpentes”. É uma nova história, que se passa 64 anos antes dos acontecimentos protagonizados por Katniss Everdeen, papel que deu sucesso a Jennifer Lawrence, mas que pouco acrescenta na narrativa que teve um ótimo final no quarto longa, de 2015.

É fato que, quando o novo livro foi anunciado, um grande muxoxo saiu da boca dos fãs da trilogia. A expectativa era a de que a autora Suzanne Collins desenvolvesse o passado de Haymitch, o mentor e amigo da protagonista, vivido por Woody Harrelson no cinema.

Teria sido uma escolha interessante, mas o que os leitores receberam foi uma prequel centrada num personagem com o carisma de uma porta – o vilão dos livros, Coriolanus Snow, presidente-ditador do país distópico Panem.

Tanto no livro como na adaptação, a intenção não é gerar simpatia pelo sujeito sanguinário, mas acompanhar como ele vai de um estudante determinado para um projeto de genocida.

Na disputa por uma bolsa de estudos para ingressar na faculdade, Coriolanus, interpretado por Tom Blyth, e outros 23 jovens precisam transformar os Jogos Vorazes num produto cultural palatável para a população do país.

Afinal, o campeonato em que 24 crianças se digladiavam até a morte já não emocionava o público e, portanto, não poderia ser utilizado como instrumento de controle e terror.

Nessa época, a carnificina era bastante rudimentar. Acontecia em uma antiga arena de shows e durava poucas horas, já que a maioria dos participantes vinha desnutrida ou era acometida por alguma doença no trajeto claustrofóbico de trem dos longínquos distritos até a capital.


CHANCE

Essa é a chance de Corionalus reconquistar a honra de seu sobrenome aristocrático, que estava em declínio desde a guerra que assolou o país quando ele era criança. Ele é então designado a ser o mentor de Lucy Gray Baird, a selecionada do distrito 12 e integrante do Bando, espécie de banda country folk, a quem Rachel Zegler dá vida e sustenta com suas cordas vocais.

Sim, esse é o filme mais musical do universo “Jogos vorazes”, com a canção "The hanging tree" – entoada pela primeira vez por Jennifer Lawrence em "A esperança - Parte 1"- sendo repetida ao menos três vezes, em diferentes ritmos. Isso sem contar as outras apresentações solo mais dramáticas de Lucy Gray e as baladinhas do Bando.

Apesar de ter poucas chances de vencer, o protagonista vê nela um espetáculo à parte, por quem a população poderia torcer no reality graças ao seu charme e sua capacidade de emocionar o público – e até encantar serpentes.

Diferentemente das cores quentes dos dois primeiros filmes, “A cantiga dos pássaros e das serpentes” se aproxima mais dos tons cinzas de “A esperança”.

Com poucos looks extravagantes, destaca-se o vermelho das luvas de Volumnia Gaul (Viola Davis), a sádica cientista idealizadora desta edição dos jogos, e do uniforme dos mentores aristocratas, bem como do sangue derramado durante o show. Pelo contraste, é Lucy Gray quem brilha com sua saia de tule arco-íris.

Por duas horas e 45 minutos, o filme tenta resumir as 576 páginas e é bem-sucedido, apesar de ter sacrificado o desenvolvimento de outros personagens, como Sejanus Plinth, papel de Josh Andres Rivera, e Tigris Snow, vivido por Hunter Schafer, e investir em cortes bruscos para ser fiel à divisão literária em três partes. É um grande mérito da produção não querer render um desnecessário segundo filme.

A química entre Blyth e Zegler é ótima e capta o quão problemático é o romance entre o mentor calculista assassino e a jovem de espírito livre que flerta com a rebeldia entranhada nos distritos contra a ditadura da capital.

Apesar de mostrar as já conhecidas condições degradantes às quais a população era submetida e levantes isolados, o filme tenta inovar mostrando outra face da moeda. O ponto de vista é o de uma elite que quebra a cabeça para perpetuar seu poder pelo domínio da mídia.

O lembrete da punição eterna a quem tentar se revoltar contra o status quo continua sendo o motor desta história, mas à custa de um vilão mal construído, que demonstra pouco arrependimento em ações destrutivas, mas nada mais do que isso.

O filme não consegue superar uma moral simplória, de que as pessoas não seriam apenas boas ou más. No fim das contas, Coriolanus tem um rompante e faz cara de mau - torna-se um vilão da noite para o dia.

Por ironia, mesmo com pouco tempo de tela, os personagens de Viola Davis e Peter Dinklage, antagonistas do jovem e excêntricos por natureza, são melhor explorados em suas obsessões - ela em fazer um espetáculo sanguinário e ele, em, pelo contrário, torcer pelo fracasso de Snow.

No meio de tantos elementos novos, mas que pouco adicionam para a compreensão da mensagem da série, menções sutis a Katniss Everdeen são bons agrados a quem acompanhou este universo até aqui.

“JOGOS VORAZES: A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES”
(EUA, 2023, 2h45). Direção: Francis Lawrence. Com Tom Blyth, Rachel Zegler, Peter Dinklage. Classificação 12 anos. Em cartaz em salas dos circuitos Cineart,
Cinemark, Cinépolis e Cinesercla.