Diversos episódios familiares são tema de textos com viés cômico no livro de Mario Prata  -  (crédito: Mathilde Missioneiro/Folhapress)

Diversos episódios familiares são tema de textos com viés cômico no livro de Mario Prata 

crédito: Mathilde Missioneiro/Folhapress

Difícil ler “Pelo buraco da fechadura eu vi um baile de debutantes – Quase uma autobiografia”, de Mario Prata, sem soltar uma exclamação de surpresa ou uma gargalhada gostosa. A reunião de crônicas, lançada recentemente pela editora Geração, traz casos do jornalista, escritor e dramaturgo, e de sua família que, ao leitor, podem parecer mentiras deslavadas, não tivessem sido confirmadas a este repórter pelo próprio autor.

 

Não parece ser do feitio do cantor e compositor Toquinho fazer língua para uma criança num elevador e, não satisfeito por receber o gesto de volta, disputar com o garoto quem faria o gesto ofensivo por último – a disputa fez Toquinho, depois de sair do elevador, subir alguns lances de escada só para mostrar a língua novamente para a criança. Isso, entretanto, aconteceu. E na frente de Mario Prata, que registrou tudo na crônica “Toquinho não perde uma”.

 

 

 

E quem diria que Prata só não foi preso em Portugal por dirigir após ter ingerido álcool por causa de Fernando Collor de Mello? Também é verdade. Ao justificar para os guardas que havia bebido para comemorar a cassação do então presidente, o policial o liberou, dizendo: “O Brasil está dando um exemplo ao mundo, meu amigo”. E ainda acrescentou que havia “um bloqueio lá no quilômetro 25, mas vou passar um rádio para que não interrompam a sua… felicidade”.

 

Escritora JK Rowling

Acredite se quiser: JK Rowling, autora de 'Harry Potter', frequentava o mesmo bar de Mario Prata em Portugal

Debra Hurford Brown/Divulgação
 


J.K Rowling, a Joana do Arantes

 

Já em 2000, quando lançou “Minhas mulheres e meus homens”, Prata era sucesso de vendas. Mas, em pouco tempo, foi desbancado do topo da lista dos mais vendidos por “Harry Potter”. Furioso, foi procurar quem era a tal J.K. Rowling. Ficou em choque: “Porra, é a Joana! A Joana do Arantes”. Com efeito, a escritora havia morado em Portugal no mesmo período em que Prata, e era casada com um colega do brasileiro, Jorge Arantes. Eles se conheciam e frequentavam o mesmo bar.

 

“Isso tudo é verdade”, garante Prata. “Só tem um ‘passarinho’ (termo cunhado por Nelson Rodrigues para designar um factoide), que é aquilo que poderia ter sido mas não foi, em todo o livro. Esse ‘passarinho’ é o conselho que meu pai deu ao Dondinho, pai do Pelé”, revela o escritor, referindo-se à crônica “As incríveis aventuras do Doutor Prata com o pai do Pelé”.

 

Doutor Prata, pai do escritor, trabalhava na Delegacia Regional de Lins e Bauru, que, como o nome indica, contemplava as duas cidades paulistas, entre 1955 e 1957. Em Bauru, trabalhou com Dondinho. Quando o Santos mostrou interesse em Pelé, ele foi perguntar ao Doutor Prata se achava que seria uma boa ideia autorizar o filho a ser jogador.

 

O fato inventado na crônica é a resposta do Doutor Prata. “Meu pai diz que falou: ‘Pô, o menino tá com 14 anos. Deixa pelo menos terminar o ginásio’”, conta Prata. “Mas eu acrescentei: ‘Depois eu falo com o governador e a gente arruma uma colocação para ele aqui na secretaria’. Coloquei isso, porque é típico do meu pai. Certeza que ele deve ter falado”, diverte-se.


Terno do Paulo Maluf

 

Doutor Prata, aliás, é protagonista de outras crônicas. A mais excêntrica é sobre seu enterro. Mais especificamente, sobre o terno com o qual foi sepultado, um Giorgio Armani de Paulo Maluf, pessoa que Doutor Prata mais detestava.

 

A confusão ocorreu porque na família Prata uma das sobrinhas se casou com um dos filhos de Maluf, que tinha um terno do pai. Calhou de Doutor Prata ganhar o Giorgio Armani sem saber das origens do terno. Quem escolheu a roupa para o enterro, por sua vez, também não sabia da história.

 

“Mas nós, os filhos, sabíamos”, lembra o escritor. “Aquilo causou uma risadaria no velório, porque era um absurdo: meu pai lá, no caixão, com o terno do Maluf. Aquilo seria um escândalo para ele.”

 

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O livro também conta com belas homenagens aos que cruzaram a vida do autor. Foram lembrados desde os conhecidos João Ubaldo Ribeiro, Samuel Wainer, Rubem Braga e Fernando Sabino até não famosos, como Padre Pedro Cometti, que o incentivou a escrever; o Kiko, do jornal “A gazeta de Lins”; e a vizinha “desquitada”. E, claro, Dona Dídia, mãe de Prata. É sobre ela, inclusive, a crônica que inspira o título do livro (“O baile de debutantes que vi pelo buraco da fechadura”).

 

“De fato, (o livro) é uma quase autobiografia”, admite Prata. “Mas não é nada planejado, porque não tenho essa pretensão. Acho que quem tem que escrever autobiografia é o Obama… gente que tem o que falar. No meu caso, são casos da minha vida contados em crônicas, que resultaram numa quase autobiografia sem querer”, brinca.

 

“PELO BURACO DA FECHADURA EU VI UM BAILE DE DEBUTANTES - QUASE UMA AUTOBIOGRAFIA”


• Mario Prata
• Editora Geração (400 págs.)
• R$ 89