Eis um filme que não se impõe pela força do cinema. Mas se triunfar e se tornar um sucesso, como o primeiro “Ó paí, ó”, de 2007, será pela força de algumas ideias que mal e mal percorrem suas imagens.
Analisando o “Ó paí, ó” original, o crítico Cleber Eduardo escrevia na revista Cinética que o filme fazia de sexo e dança a identidade do Pelourinho, em Salvador, na Bahia. Seria uma visão bem elitista, é certo. Bem menos condescendente, Rodrigo Oliveira perguntava, na extinta revista Contracampo, se haveria um cérebro atrás da câmera durante as filmagens, pois dava a impressão de que as imagens se formavam independente de tudo.
Não me lembro do filme de Monique Gardenberg, autora daquele longa, tão bem quanto de sua belíssima montagem para teatro de “Os sete afluentes do Rio Ota”. Mas fica a dúvida se o rigor, no setor imagem, permanece o mesmo. Cérebro atrás da câmera havia.
Resta saber se nós, que escrevemos a respeito de cinema, mudamos na apreciação de filmes populares. O primeiro “Ó paí, ó” chegou a 400 mil espectadores, mas a maior parte no Nordeste. Dali para baixo o filme não andou tão bem.
Erro e intolerância
De lá para cá, o cinema brasileiro criou uma vertente de filmes vistos por grandes audiências. São obras capazes de sustentar a produção de filmes pouco vistos, embora até mais relevantes, mas que de maneira geral não caíam no gosto dos críticos. Por vezes por erro nosso, por pura e simples intolerância em relação a produtos que outro público valorizava.
“Ó paí, ó 2” chega no momento em que o filme nacional começa a sair de uma crise brutal, da tentativa mesmo de aniquilamento. Como no ciclo anterior, terá de dar com a cara na porta até encontrar de novo seu público. É nessa circunstância que se fez e que se lança esta sequência.
Quanto à imagem, talvez não esteja longe daquilo que dizia Oliveira. Ela é quase sempre descuidada. A dúvida é se esse descuido é buscado ou resultado de simples incompetência.
Arrisco que possamos estar no segundo caso. Dança e sexualidade continuam a fazer parte da identidade do Pelourinho, sem dúvida. Mas o essencial é que eles façam parte de um todo maior – o Pelourinho visto como lugar de alegria e resistência. Algo de que todos podem fazer parte, mas a identidade do Pelourinho é, antes de tudo, negra.
São corpos negros e sua energia que fazem em geral a música e a dança que preenche o lugar, que o habitam e o agitam. Trata-se então de um lugar simbólico de liberdade, associado no filme a corpos antes escravizados e hoje ainda discriminados.
Se triunfar, portanto, o filme dirigido por Viviane Fonseca imporá uma ideia de luta, comandada por Neusão, que perde seu bar, o ponto de encontro de personagens e figurantes, e luta para recuperá-lo junto, claro, a uma tropa de clientes e amigos.
Do mesmo modo, os inquilinos do cortiço continuam a animar a vida de dona Joana, enquanto todos eles preparam a festa de Iemanjá, isto é, em que todos proclamam sua adesão aos cultos afro-brasileiros.
Este segundo exemplar – sempre com Lázaro Ramos à frente – pode não ser um grande filme, mas sua simpatia, seu astral, seu apelo pela liberdade atravessam os maus enquadramentos, superam os espaços estanques em que a geografia do filme parece se perder, e pode até chamar grande público aos cinemas. Este é mais um filme-manifesto do que qualquer outra coisa. (Inácio Araújo)
“Ó PAÍ, Ó 2”
Brasil, 2023. Direção de Viviane Ferreira. Com Lázaro Ramos, Luh Maza e Luciana Souza. Em cartaz no Boulevard 5 (13h50, 18h45); Cidade 3 (qui a dom, 16h45, 18h45 e 20h45; seg a qua, 14h45, 16h45, 18h45, 20h45); Contagem 7 (qui a dom, 16h50, 18h50, 20h50; seg a qua, 14h50, 16h50, 18h50, 20h50); Itaú 4 (14h20, 18h40); Minas Shopping 3 (14h30, 18h50); Monte Carmo5 (15h, 17h, 19h, 21h); ViaShopping 4 (16h30, 18h30, 20h30); Centro Cultural Unimed BH-Minas (14h, 18h30); e Una Cine Belas Artes 1 (14h, 16h, 18h10, 20h30).