O lendário guitarrista Lanny Gordin, de 72 anos, morreu neste 28 de novembro, dia de seu aniversário. Estava internado em São Paulo devido a uma pneumonia. Músico emblemático da Tropicália, ele tocou em discos fundamentais das carreiras de Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jards Macalé, entre outros, contribuindo também para sucessos de Tim Maia, Rita Lee e Erasmo Carlos.
O autodidata Alexander Gordin revelou em entrevista ao Estado de Minas, em 2013, que jamais frequentou escolas de música.
“Criei meu estilo com o talento que Deus me deu. Foi uma espécie de inspiração que tive a todo momento. Não copiei ninguém e isso me tornou um guitarrista muito original”, disse o guitarrista, apelidado “Jimi Hendrix da Tropicália”.
Chinês e brasileiro
Filho de russo e polonesa, Gordin nasceu em Xangai, na China. Quando tinha 6 anos, emigrou com a família para o Brasil. O pai era dono da casa noturna paulistana Stardust, onde o filho iniciou a carreira. O guitarrista contou ao EM que um dos momentos marcantes de sua estreia foi a participação – um pouco atabalhoada – em um show de Wanderléa, nos anos 1960.
“Estava muito cru e comecei o show tocando no máximo volume. Toquei uma posição só, não sabia mais nada. No fim, um pessoal chegou para a Wanderléa e falou: ‘Você é maravilhosa, canta muito bem, é divina e tal. Mas manda aquele rapazinho abaixar a guitarra um pouco, não estamos aguentando mais’. No outro dia, ela me despediu”, revelou.
Em 1969, Lanny participou dos álbuns de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa, além de integrar a banda Brazilian Octopus, de Hermeto Pascoal. Tocou em vários clássicos da discografia brasileira: “Tropicália ou Panis et circencis” (1968), “Gal” (1969), “Legal” (1970) e “Fa-Tal” (1971), álbum ao vivo de Gal Costa.
Durante a conversa com o EM, Gordin relembrou seu primeiro encontro com Gilberto Gil. Levado até ele por Tony Osanah, integrante argentino da banda Beat Boys, lembrou-se do baiano abrindo-lhe a porta. “Nos atendeu com o cabelo black power, uma bata indiana, super-hippie. Toquei com ele uns 20 minutos e aí ele falou: ‘Você é o guitarrista que a gente estava procurando para entrar no nosso grupo’.”
Gordin foi guitarrista de Rita Lee em “Build up” (1970) e de Erasmo Carlos no álbum “Carlos, Erasmo” (1971). Gravou “Araçá azul” com Caetano e “Expresso 2222” com Gil. Em 1972, participou de outro disco clássico: “Jards Macalé”. Gravou o hit “Chocolate”, de Tim Maia, acompanhou Elis Regina, Tom Zé e Jair Rodrigues.
Na década de 1960, o guitarrista usou LSD, embarcou na psicodelia. Foi diagnosticado com esquizofrenia e se internou em um sanatório paulista. Afastou-se dos palcos, mas continuou tocando. Participou da Banda Performática e do disco “Aos vivos”, de Chico César, nos anos 1990. Em 2001, lançou o disco “Lanny Gordin”.
No início dos anos 2000, criou o Projeto Alfa. Em 2007, gravou “Lanny duos”, com participação de Chico César, Adriana Calcanhotto, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, entre outros.
Em 2017, o guitarrista foi tema do documentário “Inaudito”, dirigido por Gregório Gananian. Nos últimos anos, enfrentou a síndrome de Guillain-Barré e uma espondilite anquilosante, inflamação nas articulações da coluna que o deixou de cama.
“Cheguei à conclusão de que o importante na vida é muito simples”, afirmou Lanny Gordin durante a entrevista ao EM. “Acredito na lei da evolução. Qualquer ser humano vai chegar ao ponto da realização espiritual em que vai para onde quiser.” E concluiu: “Hoje, me considero um guitarrista que cumpriu a missão.”
“Lanny foi ímpar”
“Conheci o Lanny pessoalmente quando fui gravar 'Mucuripe' pro álbum 'Lanny duos', em 2007”, diz a cantora Fernanda Takai, que escreveu algumas linhas sobre o guitarrista a pedido do Estado de Minas.
“Eu só tinha o visto em raros vídeos antigos de arquivo em matérias de TV. Foi um encontro breve, só combinamos a música e ele me acompanhou ali na hora, improvisando tudo. Fizemos dois takes, cada um saiu de um jeito. Definitivamente, não era o jeito que eu trabalhava, mas era o dele. Respeitei totalmente e aguardei a mix final. Algum tempo depois, me apresentei ao vivo com ele no Auditório do Ibirapuera, cantando a música do disco e uma que eu tinha acabado de compor com John: “Espero”. Mais uma vez ele me acompanhou ali, do nada, sem praticamente conhecer a música, indo atrás da melodia que eu ia cantando. Lanny foi ímpar: seu som, seu comportamento e sua trajetória. Feliz que tive a chance de ter passado alguns momentos com ele”, afirma a integrante do Pato Fu.
Caetano: "Guitarrista crucial da Tropicália"
No X, antigo Twitter, Caetano Veloso lembrou que na segunda-feira (27/11) Jards Macalé havia se lembrado de Lanny em uma conversa que os dois tiveram.
“Lanny era músico total. Sempre tocou com o pai na noite. Veio a ser guitarrista crucial da Tropicália. Era uma pessoa doce e um grande artista da música. Saudade”, publicou o cantor e compositor baiano.
Chico César lamentou a morte do guitarrista de seu álbum “Aos vivos”. “Então aquele disco voador veio mesmo lhe buscar né, Lanny Gordin? Bem no dia de seu aniversário. Tudo certo, bicho. Agora você é poeira de som e eternidade. Um barato também. Podicrê, amizade. Agora você toca tudo, em tudo. Um abraço, meu querido. gratidão. (sic)”, escreveu o cantor e compositor paraibano.
O mutante Arnaldo Baptista postou no X: “R.I.P. Lanny Gordin Rei da Harmonia... no dia do seu aniversário…”