“Dom Casmurro”, clássico de Machado de Assis, foi publicado em 1899. Desde então, o enigma em torno da personagem Capitu – ela traiu Bentinho ou é uma vítima de seus ciúmes paranoicos? – permanece sendo uma fonte de discussões e reinterpretações. Na montagem teatral “Eu, Capitu”, que estreia nesta sexta (3/11), a heroína é transportada para 2023 e vive na cabeça de Ana, de 11 anos, que passa pelo trauma da separação dos pais, cujo relacionamento é abusivo.

Afetada pelo ambiente hostil, a garota vai mal na escola, onde precisa fazer a leitura obrigatória do livro “Dom Casmurro”. A obra a incentiva a enxergar de modo diferente a realidade que a cerca.

Acostumada a fugir para o mundo da imaginação, Ana se depara com uma mulher misteriosa. Chama a atenção da menina sobretudo o fato de ela se achar parecida com a mãe e também com Capitu.

“Com o decorrer da trama, vamos acompanhando a transformação da Ana, tomando consciência para conseguir enxergar a mãe fora de um olhar impregnado de um discurso patriarcal e misógino”, afirma a diretora Miwa Yanagizawa.

LIBERDADE

Leninha, a mãe, vive um momento de liberdade após o término do casamento e, em sua nova circunstância, precisa aprender a se reposicionar, inclusive diante do estigma de mulher divorciada, e ajudar a filha a enfrentar as convenções sociais.

“O que eu mais gosto nesse trabalho é o fato de a gente conseguir levar para o palco uma mulher dos dias de hoje, uma mulher comum, como nós, com as características da Capitu”, afirma a atriz Flávia Pyramo, que interpreta Leninha.

Além de fazer o papel da mãe, Flávia também dá vida a Capitu, o que cria um paralelo entre o passado e o presente. A ideia da montagem partiu do diretor geral Felipe Valle, em 2020, quando ele presenciou uma situação de violência doméstica, enquanto vivia na casa de sua avó, no interior do Rio de Janeiro.

“Tinha uma vizinha da rua que gritava e pedia muita ajuda. Não tinha como eu entrar na casa, porque o muro era alto. Tentei intervir chamando as autoridades, mas elas não ajudaram, porque tinha que ser em flagrante”, conta.

“Não sabemos o paradeiro dela até hoje, e isso me pôs a pensar nessa sociedade violenta, o que imediatamente me remeteu à Capitu, já que dei aulas de literatura por alguns anos”, afirma.

Para adaptar o romance machadiano para o palco, ele convidou Carla Faour para escrever o texto, e Miwa Yanagizawa para a direção. “Não queríamos retratar apenas a Capitu que todo mundo conhece. Até porque o adultério sempre foi o foco desse livro, mas, se ele existiu ou não, não é justificativa para diversas violências que acontecem ali. Olhamos para essa obra com o olhar de acolhimento e não de julgamento para a mulher”, diz Felipe.

Sobre a decisão de ter uma criança como protagonista da peça, ele afirma: “Esse lugar de trazer a Capitu a partir da visão da Ana vem de um desejo de trabalhar um assunto que é tenso e profundo com a leveza do olhar de uma criança, para que possa ser uma forma de tornar o espetáculo mais passível de identificação”. (Carolina Ramos*)

Outras peças

>>> “MICO-ESTRELA”

Inspirado no livro “A história do mico-estrela”, de Gina Borges, o espetáculo infantil “Mico-estrela” estreia neste domingo (5/11), com sessões às 10h30 e às 16h30, no Teatro Marília (Av. Prof. Alfredo Balena, 586 - Santa Efigênia). A peça leva as crianças a conhecer as ameaças que afetam a vida silvestre e destaca a importância da preservação do Cerrado, pelos olhos do pequeno mico. Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados na plataforma Sympla ou na bilheteria do teatro, duas horas antes do início do espetáculo. Mais informações: (31) 3277-4697.


>>> “AVE”

O espetáculo “Ave” mistura dança e teatro em livre adaptação da comédia grega “As aves”, de Aristófanes (446 a.C- 386 a.C). Transitando por diversas linguagens, como o cabaré, a dança contemporânea e a comédia popular, a montagem é um projeto desenvolvido em conjunto pela Ananda Cia de Dança em parceria com o Núcleo de Criação Sapos e Afogados. Nesta sexta (3/11), às 19h, haverá apresentação gratuita no teatro Raul Belém Machado (Rua Jauá, 80 - Alípio de Melo). No sábado (4/11), às 20h, e domingo (5/11), às 19h, a montagem será encenada no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613- Horto), com ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).


>>> “O BELO INDIFERENTE”

“O belo indiferente”, texto do francês Jean Cocteau traduzido por Maria Cristina Billy, cuja trama aborda a violência psicológica numa relação amorosa, será apresentado neste sábado (4/11), às 20h, e no domingo (5/11), às 18h, no Teatro Feluma (Alameda Ezequiel Dias, 275 - Centro). Ingressos a R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia), à venda no Sympla.

*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes

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