Foram opiniões, críticas e uma carta enviadas ao jornal sobre o artigo “Ecstasy e psicanálise”. Quantos leitores! Respondo ao artigo no jornal “O Globo” (4/10/2023): o MDMA, Ecstasy ajudaria à psicanálise, um equívoco. Agreguei aos psicodélicos o exemplo da oxicodona apenas por ter sido usada indiscriminadamente.

A oxicodona, um opioide não psicodélico, apresentou alto potencial de dependência, nos EUA depois que seu uso alcançou o mercado a partir de fortes estratégias de marketing, assédio a médicos para obter adesão e prescrições, conseguindo a legalização, apesar dos danos causados. Ver a série “O império da dor” (Netflix). Este é o primeiro ponto.

É completamente diferente das substâncias psicodélicas como a psilocibina do “cogumelo mágico”, o LSD do ácido lisérgico, mescalina, daime ou ayahuasca, extraída de raízes de florestas peruanas, usados desde os anos 70 pelos hippies. Abrem a percepção, dão sensação de euforia, conforto e estimulam e, de fato, dificilmente causam dependência. O MDMA que alguns insistem em considerar um psicodélico, por não causar visões, são classificados por alguns como empatógeno (conexão afetiva e empatia) e considerado de maior risco.


Se comparei os dois não foi porque os coloco no mesmo nível, mas porque o artigo no jornal “O Globo” de 4 de outubro de 2023 afirmava que beneficiariam a psicanálise. Daí meu protesto. Quem pensa em embarcar numa viagem semelhante deve assistir a série

“Nove desconhecidos", do Prime Vídeo. Não existem terapias aprovadas com estas substâncias. Mas a ciência deve justificar seu uso legal para que possam ser prescritas.

Temos aí o canabidiol, extraído da maconha, hoje amplamente prescrito, legalizado. Não para todos, como tudo, mas para alguns: pessoas de estrutura frágil podem desencadear surtos e reações adversas.

Saio do terreno científico, caminho nas veredas extraterritoriais da ética da psicanálise. Trabalhamos sob transferência. Tipo de laço que permite a repetição do vivido ser projetada no analista, como tela em branco. Conteúdos, memórias e afetos revividos permitem tocar o sujeito, no seu saber suspenso.

Para tal o analista deve sustentar a sua própria dessubjetivação enquanto pessoa, evitando colocar algo de si. É do paciente que se trata ali, não das próprias mazelas. Identificar-se ao paciente é certamente perder a alteridade e singularidade das associações.

No curso livre das palavras está um saber em reserva, inconsciente, para vir à luz. É algo único em cada um! Apresentam-se nos sonhos, atos falhos, lapsos de linguagem, criações e invenções de neologismos, palavras que não existem no dicionário e fazem sentido no contexto e colhemos com a escuta, sem ela, perdemos nosso peixe...

Por isto usamos minimamente a interação de pessoa-pessoa, somos operadores do real do sujeito que fala, via escuta. Uma palavra escutada nos remete a outra lógica, a outra cena, ao inconsciente e muda o rumo da prosa...

Qualquer estimulante ou medicamento, evitamos, a menos que estritamente necessário, por exemplo em surtos, crise de grande agressividade incontida, depressão com risco de vida, conteúdos suicidas insistentes. Nestes casos, precisamos de um psiquiatra-parceiro. E é fértil esta parceria, para conter o perigo.

Somos gratos pela eficiência das medicações que nos livraram dos hospícios, manicômios, choques e camisas de força. O progresso é inegável e desejável no campo da ciência sempre aberto e atento a inovações. Para o analista bastam palavras genuínas! Principalmente as mais difíceis de dizer! Agradeço aos leitores atentos pela oportunidade de sempre melhorar o nível.

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