O país está envelhecendo e a terceira ou quarta idades são uma preocupação e um mercado. Esqueçamos o mercado, quando se trata de "Tia Virgínia". Ela é uma senhora idosa que cuida da mãe, quase centenária e que vive numa espécie de ausência eterna, ou um fantasma, algo assim.



Mas será que ouve ou entende o que se fala? Pode ser. É uma dessas coisas que ninguém pode garantir.

Outra coisa que ninguém pode garantir é que reuniões de família deem bons resultados, em particular em ocasiões como o Natal. Vem um daqui, outro dali, encontram-se todos na bela casa em que vivem Virgínia e a mãe. Todos se cumprimentam, alegres. E logo depois o caldo começa a entornar. Não é diferente em "Tia Virgínia".

Lá estão a irmã mais velha, Valquíria (Arlete Salles), e Vanda (Louise Cardoso), a mais jovem. Vêm com prole e Valquíria até com marido (Antonio Pitanga). E quem vai dormir onde? E vai ter o leitão para a ceia ou não? E vamos usar os preciosos copos de vinho da mamãe? Para resumir, não demora e logo estamos em pleno psicomelodrama familiar.

Ele gira em torno de ciúmes, pequenas discordâncias, ressentimentos antigos, proximidades precárias, lembranças e tristezas, observações incômodas. A presença dos sobrinhos, um médico que se entope de bebida e uma garota siliconada, não ajuda.

DÚVIDA

No meio disso está a mãe. Como ela não fala, existe a dúvida: será que entende o que se fala? Virgínia garante que sim. Mas ninguém acredita em ninguém na casa. O certo é que o rosto silencioso e contraído da mãe é, desde logo, um sinal do fracasso familiar.

Será este um fracasso desta família ou toda família é essa coisa lamentável. Esse é o ponto de tudo e onde fracassa o filme de Fabio Meira: na incapacidade de nos fazer sentir certa universalidade nos problemas que somos chamados a partilhar, e dos quais a hipocrisia parece ser o menor.

Enquanto se trabalha em tom menor, a coisa ainda vai: as agulhadas sucedem-se e preparam o momento seguinte, quando tudo descamba. Então, as agressões se tornam explícitas, lava-se a roupa suja de décadas e tal.

De certa forma, parece que estamos numa peça teatral de muitas décadas atrás, cuja única vantagem é se passar num meio abastado, o que torna todas as desavenças bastantes neutras —ou seja, os problemas não envolvem dinheiro, em princípio, o que não aconteceria num meio pobre, remediado ou muito rico. Ao contrário, ainda abre espaço para, aqui e ali, verificar-se a maneira opressiva que se reserva ao tratamento dos subalternos, empregadas domésticas à frente.

Seria injusto dizer que esse é um filme sem virtudes. Mas a iluminação adequada, o controle do espaço e o desempenho das atrizes centrais, em vez de sobressaírem, reiteram a fragilidade do todo. Apenas certas notas destoantes, como a altivez da empregada, Soraya, e o caráter submisso de Tavares —imagens de uma escravatura que o branco procura eternizar— dão relevo ao conjunto opaco.

Em nenhum momento existe qualquer explicitação da origem dos pais ou referência a patriarcado. Fabio Meira, que impressionou bastante com sua estreia em "As duas Irenes", dá a impressão de ter andado para trás nesse seu novo trabalho.

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