Massageando um montinho de argila, o artista plástico argentino Fernando Poletti aos poucos transforma aquele amontoado disforme em rosto humano. Sem pressa, vão surgindo os primeiros traços do nariz, da boca, dos olhos e das orelhas. Depois, os detalhes: a linha do cabelo, o arco do cupido no lábio, as eventuais rugas.
“Tem que prestar muita atenção nas unidades de medida e ter muito cuidado com as proporções. É necessário posicionar tudo de maneira correta: os olhos, a orelha, a boca… Senão fica uma coisa solta, muito distante do realismo”, diz ele, que mantém ateliê no bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte.
A cabeça humana que Poletti começou a criar esta semana estará na 36ª Feira de Cerâmica de Minas Gerais, que vai reunir 60 ceramistas desta sexta-feira (1º/12) até domingo (3/12), no estacionamento elevado do Mercado Central.
Jovens e veteranos
Estão lá de jovens ceramistas, há menos tempo na atividade, a veteranos como Erli Fantini, que vive do ofício desde o início da década de 1970. Foi ela quem idealizou a feira, em 1999, e deixou a organização em 2009. Mas continua participando do evento.
“Já estou numa certa idade em que posso me dar ao luxo de escolher os projetos com os quais quero ficar cansada”, comenta Erli, espirituosamente.
Brincadeiras à parte, ela ressalta que a feira é vitrine para muitos artistas, enfatizando que o atual momento é ótimo para quem trabalha com cerâmica. Há público consumidor muito maior e os ceramistas estão mais motivados depois de ficarem quase três anos parados por causa da pandemia.
“Digo isso com base no que tenho vivido ultimamente”, conta Erli. “Só neste ano, fui convidada para dar cursos e expor em várias cidades mineiras”, acrescenta, citando Brumadinho, Tiradentes e São Bartolomeu.
Cabeças e torres
A feira é diversificada. Estarão expostas as cabeças humanas de Poletti; as esculturas geométricas de Erli, que representam torres e outras edificações; pequenas imagens de santos, louças, vasos de decoração e souvenirs em cerâmica e argila.
“A gente precisa de um público que veja (o que nós produzimos), um público crítico, que vai comentar o que você fez e como você fez”, ressalta Erli Fantini.
A programação conta também com palestras e demonstrações. Artistas convidados ensinam como usar o torno, o passo a passo do processo de queima da argila e técnicas de modelagem para esculpir figuras humanas.
Uma dessas demonstrações é justamente a de construção da cabeça humana realizada por Poletti. O argentino pretende mostrar que qualquer um é capaz de modelar com argila uma cabeça humana em tamanho real.
“Anatomia é pura matemática. Tudo é muito bem disposto e proporcional no corpo humano”, observa. “Por isso digo que é necessário atenção com as unidades de medida, porque é a partir delas que a gente começa. O segredo está ali. Primeiro, fazemos a base e depois começamos a colocar os elementos – boca, nariz, orelha e, por fim, o olho. Isso tem que de estar bem disposto, pois vai facilitar muito na hora de fazer os detalhes, que dão expressão para aquele rosto”.
Herança portuguesa
A feira dedica espaço generoso para a cerâmica saramenha, técnica criada em Portugal no final do século 18 e exportada para o Brasil. O artesão esculpe em argila preta, leva a peça ao forno e em seguida faz o acabamento, pintando (ou envernizado) a obra com óxidos de metais, que é basicamente o metal transformado em pó por um moinho.
“Antigamente, essa cerâmica era usada como utensílio. Eram urinóis, escarradeiras, moringas, açucareiros. Hoje ela é só para decoração, para status de antiguidade”, diz Rosemir Hermenegidio.
Aos 59 anos, ele é um dos poucos brasileiros que se dedicam à saramenha, técnica que corre risco de extinção em Portugal e no Brasil. Por aqui, ela só se manteve viva devido ao esforço de Mestre Bitinho, mineiro de Ouro Branco, um dos últimos artesãos brasileiros especializados nesse tipo de cerâmica, morto em 1998.
“O conhecimento foi passado de geração em geração até chegar nos familiares do Mestre Bitinho. Ele passaria para os filhos, mas nenhum quis aprender”, conta Rosemir. “Foi só por isso, pela falta de interesse dos filhos, que ele topou me ensinar quando eu tinha 15 anos”.
Rosemir demonstrará como se usa o torno e promete contar um pouco da história da cerâmica saramenha. De quebra, se sobrar um tempinho, garante que vai deixar que o público modele a argila no torno. “É a parte mais divertida, ora!”, garante.
Palestras
As demonstrações e palestras são novidades pós-pandemia. Por causa do isolamento social, duas edições da feira, durante a crise sanitária, foram realizadas virtualmente. Para preencher a programação, foram realizadas lives onde artistas exibiam e ensinavam suas técnicas.
“Decidimos manter as palestras e exibições quando voltamos com a feira presencial”, diz Cibele Tietzmann, que desde 2019 assina a curadoria do evento com as ceramistas Djenane Vera e Emmanuela Tolentino.
“É uma outra forma de divulgar o trabalho desses artistas, porque ali, ao vê-los fazerem a obra, o público consegue entender que o processo não se encerra assim que o artesão termina de esculpir a peça. Pelo contrário, tem todo um acabamento refinado”, acrescenta.
Estão previstos os bate-papos “Ceramistas de Minas Gerais: a complexidade e potência da cerâmica arqueológica Aratu – Sapucaí”, com Lili Panachuk; “Experiência, reflexões e possibilidades do processo da queima a lenha”, com o japonês radicado no Brasil Makoto Fukuzawa; e “Akiko Fujita e sua obra – A questão do artesanato é complexa”, com Cris Rocha.
36ª FEIRA DE CERÂMICA DE MINAS GERAIS
Exposição de peças de 60 ceramistas. Desta sexta-feira (1/12) até domingo (3/12). Hoje e amanhã, das 8h às 18h; domingo, das 8h às 13h. Estacionamento elevado do Mercado Central (Av. Augusto de Lima, 744, Centro). Entrada franca. Palestras e demonstrações disponíveis no Instagram (@feiradeceramicamg). Informações: feiradeceramicamg.com.br.