Não é preciso muita reflexão para descrever a rainha Elizabeth II, cuja morte no ano passado parou o mundo – a soberana era centrada, firme, dedicada ao dever e a seu povo. Já o rei Charles III ainda não tem muitos adjetivos aos quais possa ser associado. Ao menos não enquanto monarca, posto que aguardou mais de sete décadas para assumir.
Os anos que o nobre passou à espera são narrados na biografia "O rei", de Christopher Andersen (BestSeller). Autor de outros seis livros sobre a dinastia Windsor, o escritor e ex-editor das revistas “Time” e “People” diz que Charles talvez seja "a figura mais conflituosa, paradoxal e complexa a ascender ao trono".
"Eu e Charles temos a mesma idade, mas quase não acredito que crescemos na mesma época", diz Andersen, de 74 anos, citando referências musicais como Beatles ou Rolling Stones e sua vivência da Guerra Fria. "É difícil imaginar que ele tenha sido influenciado por qualquer uma dessas coisas."
O autor americano afirma que o rei muitas vezes parece mais um homem do século 19 do que do século 21, entusiasta de esportes antiquados como polo e caça. Ao mesmo tempo, acrescenta, Charles esteve à frente de seu tempo em uma série de questões hoje consideradas urgentes, como meio ambiente, agricultura orgânica e planejamento urbano.
Todas essas contradições são abordadas na biografia, que obedece a cronologia dos fatos em sua maior parte. O conflito que parece guiar a obra é, porém, aquele entre o Charles adulto, galante, birrento, dado a explosões de fúria, e o personagem quando jovem, alvo de bullying por parte dos colegas nos colégios internos que frequentou e do próprio pai, o príncipe Philip, morto em 2021.
No caso do Charles adulto, chamam a atenção suas muitas idiossincrasias. "Em muitos sentidos, ele ainda age como uma criança mimada", afirma Andersen, que diz ter entrevistado centenas de fontes próximas da família real britânica, entre parentes, amigos, funcionários e amantes, para escrever o livro.
Segundo o autor, o rei até hoje viaja com o ursinho de pelúcia da infância, Teddy, além de um assento sanitário exclusivo. Ele não veste as próprias roupas ou põe pasta de dentes em sua escova – tarefas que cabem a seu mordomo – e prefere esferas de gelo a cubos por considerar os últimos barulhentos demais.
EXPLOSÕES
A biografia dá exemplos do temperamento explosivo do rei. Em um episódio, ele arranca a pia da parede do banheiro de sua casa de campo após brigar com a princesa Diana, sua esposa na época. Em outro, faz o mesmo durante férias na vila de um amigo aristocrata no Sul da França em busca da abotoadura que tinha caído pelo ralo.
Já as descrições da infância do monarca inspiram bem mais compaixão em relação à sua figura. O texto narra que o futuro monarca e sua irmã Anne tinham só meia hora com os pais por dia: 15 minutos depois do café da manhã e outros 15 minutos após o chá da tarde. Elizabeth e Philip também teriam faltado a todos os aniversários de seu primogênito quando criança e não o visitaram no hospital nem quando ele teve que fazer apendicectomia de emergência, aos 13 anos. "Esses eventos moldaram o futuro rei. Ele sempre se viu como uma vítima", diz Andersen.
Para Andersen, o fato de Charles ter conseguido fazer de Camilla Parker Bowles a rainha é prova de que ele é mais do que o poço de autopiedade que às vezes parece encarnar. "Ele sempre quis isso. Parecia impossível, mas aconteceu."
Outro momento em que o rei teria demonstrado isso se deu após a morte de Diana. Andersen defende que, ao convencer a rainha Elizabeth a prestar o devido respeito à princesa, garantindo que a bandeira do Palácio de Buckingham fosse hasteada a meio mastro e que ela recebesse um funeral real, Charles "salvou a monarquia." "Resta saber se ele conseguirá fazer isso novamente", afirma o escritor. (Clara Balbi/Folhapress)
“O REI: A VIDA DE CHARLES 3º”
Christopher Andersen
Best Seller (448 pág.)
R$ 99,90 e R$ 49,90 (ebook)