Para o público belo-horizontino, a grande referência em torno da obra de Hélio Oiticica (1937-1980) vem de Inhotim e em escala monumental: “Invenção da cor, Penetrável Magic Square #5” (1977), instalada nos jardins do Instituto de Arte Contemporânea desde 2006, e a galeria “Cosmococa” (2010, ainda hoje a segunda mais visitada do Inhotim), que reúne cinco dos ambientes criados por ele e pelo cineasta Neville D’Almeida a partir de 1973 (os chamados bloco-experiências).
O caminho que fez de Oiticica um dos criadores mais inovadores da arte contemporânea na segunda metade do século 20 pode ser conhecido a partir desta quarta-feira (6/12), no Centro Cultural Banco do Brasil. “Hélio Oiticica – Delirium ambulatorium”, maior retrospectiva do artista já realizada na capital mineira, percorre sua trajetória a partir de uma de suas ideias centrais: “O museu é o mundo”.
Em 1978, dois anos antes de sua morte em decorrência de um AVC, ele criou a obra-conceito “Delirium ambulatorium”. Oiticica propôs o andar sem rumo pela cidade como essencial para a criação artística. “No final da vida, ele reconhece que a própria obra é estar aberto para o embate com a cidade. A arte, desta maneira, se dissolve na ação cotidiana de andar na rua, com todas as sensações que nos atravessam no caminhar”, afirma o curador Moacir dos Anjos.
COLETIVO
Para ele, o trabalho do artista vai “se abrindo gradualmente para a rua, sendo atravessado pela questão urbana, seja o morro, a praia, as periferias, o espaço urbano público. É uma vontade de ir para fora, de sair do corpo e ir para o coletivo”.
Tal movimento é apresentado no terceiro andar do CCBB. O ideal é fazer o percurso passo a passo e, depois, ir para o pátio da instituição. No grand finale, há uma obra colossal de Oiticica, “Éden”, em sua primeira montagem no Brasil em pelo menos três décadas.
A exposição reúne cerca de 80 obras do artista, 90% delas vindas do Projeto Hélio Oiticica. Fundada em 1981 pelos irmãos do artista, Cesar e Claudio, a iniciativa nasceu para guardar, preservar e difundir uma obra que foge do senso comum.
“Algumas das obras, por terem sido feitas propositalmente com materiais muito perecíveis, se desmancharam ao longo do tempo. Isto não é um problema, já que ele deixou escrito, com instruções muito detalhadas, como se deveria fazê-las (parte desses textos está exposta). Umas foram refeitas para a exposição; outras, anos atrás; e há algumas originais. Hélio sempre assumiu a precariedade de materiais e a possibilidade de fazer as obras”, explica Moacir dos Anjos.
Não há uma só parede branca na área expositiva. A cor, essencial no trabalho do artista, está presente em jogos de rosas, laranjas, vermelhos, amarelos. Já no começo, vemos sua preocupação em fazer com que a obra de arte saia da parede.
Os “Metaesquemas”, desenhos geométricos, são dos poucos exemplos ainda da forma mais convencional. Já no final dos anos 1950, os “Bilaterais” (placas de madeira suspensas com formas irregulares) são brancos (e na montagem “dançam” no ar com a diversidade de cores nas paredes).
A partir dos 1960, com seu interesse pela tridimensionalidade, Oiticica evoluiu para os “Relevos espaciais”, agora já com volume e bastante cor. Parte em seguida para os “Núcleos”, que exigem que o espectador os observem de diferentes ângulos. Este movimento vai desaguar nos “Penetráveis”, estruturas em escala humana que já demandam, como o próprio nome sugere, uma interação direta do público.
O já citado “Magic Square” de Inhotim é um penetrável – e a mostra traz outros, como o pioneiro PN1, em amarelo, que comporta uma só pessoa, e o “Penetrável nas quebradas”, que, por sua singularidade (tem inclusive brita no chão), não terá interação. Ainda estão presentes os “Bólides”, na verdade objetos feitos de diversos materiais, sempre em cores fortes, que servem de depositário para outros.
O caminho desemboca nos célebres “Parangolés”, em essência obras de arte para vestir (como quiser, o público pode já se preparar). A relação de Oiticica com a favela, em especial com o Morro da Mangueira, o fez criar “capas protesto” (“Incorporo a revolta” e “Estamos famintos” são algumas delas) que as pessoas usavam.
Sua relação com a Estação Primeira começa no fatídico ano de 1964, vale dizer. No espaço dedicado a esta parte, há algumas fotos desta experiência, com destaque para a de Nininha da Mangueira, célebre porta-bandeira da escola, e próxima ao artista. “Nos parangolés é que existe a dissolução entre artista e espectador. É uma obra para ser vista e ser usada”, aponta Moacir dos Anjos.
Um lado menos conhecido do artista, mas essencial para a ideia desenvolvida pela curadoria, apresenta os chamados “Fragmentos-Tokens”. Nas “andanças de vadiagem”, palavras do próprio Oiticica, ele, de volta ao Rio de Janeiro depois de uma temporada em Nova York, recolheu materiais nas ruas. Um deles é “Manhattan brutalista” (1978), pedaços do asfalto retirados da obra para a criação do metrô na Avenida Presidente Vargas - na época, eram ali que desfilavam as escolas de samba. O formato é o da ilha onde ele viveu por sete anos.
HÉLIO OITICICA – DELIRIUM AMBULATORIOM
Abertura nesta quarta (6/12), às 10h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH), Praça da
Liberdade, 450, Funcionários. Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h. Entrada franca
(ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no site do CCBB. Até 5 de fevereiro.