"Godzilla minus one" é o primeiro longa japonês protagonizado pelo monstro desde 2016

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Há uma distância grande entre o Godzilla original que espantou as plateias japonesas em 1954 e esse que povoou o cinema americano das últimas décadas, protagonizando filmes de monstro medíocres que entendem muito pouco dessa força sobrenatural – e que, por isso, marcou o gênero como infantil, descartável.

Não é à toa que "Godzilla minus one", primeiro longa japonês estrelado pelo monstro desde 2016 e que entra em cartaz nesta quinta-feira (14/12), começa com um susto. Estamos em 1945, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial. Um piloto kamikaze, Koichi Shikishima, muda sua rota e pousa numa ilha, alegando defeito no avião. É mentira, e os mecânicos se espantam com o rapaz que foge do seu destino à revelia da honra imposta pelo governo.

Naquela noite, o tal monstro surge das profundezas e aniquila todos no local, novamente por covardia do alferes, que fica paralisado e não consegue disparar sua bomba contra o inimigo. Só ele e o chefe daquela base ficam vivos.

Dias depois, a guerra acaba para o Japão, mas não para Shikishima, traumatizado pela sua inação. Como lembrança macabra, recebe um embrulho com fotos dos familiares de todos os que morreram. Retorna à sua casa, em ruínas, sem família e tachado como vergonha para o país.

Metáfora da bomba atômica

O filme não precisa frisar – Godzilla é, antes de tudo, metáfora da bomba atômica e, por extensão, de todas as forças sobre-humanas que podem reduzir tudo a pó. Mas se pelas lentes americanas o monstro sempre parecia simbolizar a paranoia de um novo 11 de Setembro (um monstro desconhecido prestes a dizimar uma civilização vitoriosa e altamente tecnológica), na sua versão oriental, Godzilla sempre foi mais um lembrete de que tudo o que foi reconstruído pode virar ruína novamente e, para destruí-lo, é preciso encontrar alguma solução mirabolante e científica.

Daí que "Minus one", nas mãos do competente diretor de blockbusters Takashi Yamazaki, não recusa a grandiosidade da destruição, das batalhas navais e aéreas – afinal, ainda é um filme de "kaiju" que está batendo recordes de bilheteria ao redor do mundo –, mas as guerras externas também se desenrolam no foro íntimo.

Yamazaki aproveita exageradamente as atuações para construir um melodrama sensível. Por acidente, o protagonista acaba se juntando a Oishi, outra jovem sozinha que tomou uma bebê órfã para si. Sem esperança, Shikishima, porém, não quer encará-las como mulher e filha e se lança em um emprego perigoso, mas rentável, de desarmar minas marítimas. Diante da tormenta, ele é assombrado pelo fantasma da morte e se lança, quase inconscientemente, numa pulsão suicida.

Japão na berlinda

Por meio desse drama, "Minus one" faz críticas ácidas à postura do Japão durante a guerra e pelo jogo geopolítico que se impõe com o desarmamento, a dominação americana no pós-guerra (tema caro aos grandes artistas japoneses do século passado, como Seijun Suzuki e Yukio Mishima) e o comportamento frente à Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética.

Mesmo com uma estrutura tradicional, que ousa menos que outros experimentos japoneses com o monstrengo, "Minus one" se junta a outros belos filmes de ação deste ano, como "O silêncio da vingança" e "John Wick 4", que sabem se divertir enquanto dão algo a ver. O óbvio que se esconde de quem acha que monstros gigantes, ou melodramas, são tema para alienados.

“GODZILLA MINUS ONE”

Estreia nesta quinta (14/12) nas redes Cineart, Cinemark e Cinépolis. Classificação 12 anos. Direção: Takashi Yamazaki. Elenco: Ryunosuke Kamiki, Minami Hamabe e Yuki Yamada.