No início era só mato. Inclusive para ele, que de televisão mesmo não sabia grande coisa. "Aproveita que você não entende de TV e faça logo isso", foi o que o jornalista Fernando Mitre ouviu de um colega naquele 1989. E ele fez. No caso, o primeiro debate entre candidatos à Presidência da televisão brasileira, realizado na Band por ele e sua equipe. "Ninguém é bom sozinho na televisão", afirma hoje Mitre, 80 anos – 62 de jornalismo, mais da metade deles na emissora paulistana.
Não só o de 1989, mas dezenas de debates realizados desde então são destacados no livro "Debate na veia – Nos bastidores da tevê, a democracia no centro do jogo" (Letra Selvagem/Kotter Editorial), que Mitre lança nesta quinta (14/12), na Academia Mineira de Letras.
Em formato de debate (claro!), o lançamento terá o diretor de jornalismo da Rede Bandeirantes, comentarista político do "Jornal da noite" e entrevistador do programa "Canal livre" em conversa com o escritor e presidente da AML, Jacyntho Lins Brandão, a historiadora Heloisa Starling e os jornalistas Murilo Rocha e André Basbaum (este responsável pela mediação).
Gabi e nove candidatos
Vale lembrar que alguns anos antes daquele 1989 a Band já realizava debates eleitorais em nível estadual. Mas nada em nível nacional. "Eu era obcecado pelo debate entre o Kennedy e o Nixon (em setembro de 1960, o primeiro da história da TV americana). Mas ali eram dois. A gente não tinha um modelo, então tivemos que criá-lo."
Na estreia, em 17 de julho de 1989, foram nove candidatos no estúdio comandado por Marília Gabriela: Mário Covas (PSDB), Leonel Brizola (PDT), Paulo Maluf (PDS), Affonso Camargo (PTB), Aureliano Chaves (PFL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ronaldo Caiado (PSD), Guilherme Afif Domingos (PL) e Roberto Freire (PCB). Também convidados, Fernando Collor (PRN) e Ulisses Guimarães (PMDB) não compareceram.
Eu tinha muito claro, depois de 20 anos de ditadura, que um debate ao vivo, confrontando tantas ideias e bandeiras, seria um momento histórico. Você tinha candidato do Partido Comunista, um que tinha sido vice-presidente do governo militar, outro do novo trabalhismo, mais um do janguismo, da social-democracia, do liberalismo econômico. Estavam todos ali, e foi um show democrático emocionante", relembra Mitre.
Inspiração nas ruas
Para ele, o grande tema do livro é a democracia. "Relaciono muito as jornadas pelas Diretas em 1984 com os debates de 89 na Band. O povo nas ruas foi o que nos inspirou", continua. Ele próprio escreveu as regras, que foram evoluindo após cada edição – só no primeiro turno da campanha de 1989 a emissora realizou cinco debates.
"Os primeiros foram um tanto caóticos. Mas era um caos que tinha uma certa lógica. As câmeras não eram fixas, ficavam andando pelo estúdio. Com isto, flagramos confrontos que não estavam previstos nas regras. E a Marília Gabriela comandou muito bem, com energia, competência e personalidade."
No livro, Mitre não relata os encontros com os candidatos de forma cronológica. Também vai muito antes de 1989. Na verdade, o livro cobre 62 anos de cobertura política. "Quase tudo o que mostrou eu vi. O comício do Jango (o chamado Comício da Central, em 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio)? Eu estava lá cobrindo. Eu ouvia palestras do Carlos Lacerda, cobria greves. Aí veio o golpe militar. Eu estava ali, cobrindo tudo na redação."
A carreira de Mitre tem início em Belo Horizonte. Nascido em Oliveira, no Oeste do estado, chegou à capital para estudar. Começou pelo direito, transferiu-se para economia. Virou jornalista quando entrou na redação comandada por Guy de Almeida. Em BH, trabalhou nos extintos Correio de Minas e Diário de Minas.
Ainda nos anos 1960, mudou-se para São Paulo quando, a convite de Mino Carta, entrou para a equipe que estava criando o Jornal da Tarde. Chegou a diretor de redação. Deixou a imprensa escrita com o convite da Band, duas décadas depois. E lá continua até hoje.
TRECHO
"Lula estava mal naquela noite, quando chegou ao estúdio da Band para o segundo e último debate com Fernando Collor. Não escondia a irritação. Cenho carregado, olhar um tanto vago, não o vi sorrir, como fazia generosamente o adversário. Notei que suava muito quando trocamos o cumprimento. A voz saiu baixa e um tanto rouca no meu ouvido. 'Não vou dar a mão a esse filho de puta.' 'Mas, Lula, o cumprimenta está no roteiro, como no primeiro debate.' 'Não vou cumprimentar...', repetiu, apertando o meu braço."
“DEBATE NA VEIA – NOS BASTIDORES DA TEVÊ. A DEMOCRACIA NO CENTRO DO JOGO”
• De Fernando Mitre
• Letra Selvagem/Kotter Editorial
• 312 páginas
• Preço: R$ 90
• Lançamento nesta quinta (14/12), às 19h30, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466, Lourdes). Aberto ao público.