Em 1928, o historiador Clóvis Ribeiro e o pintor Wasth Rodrigues encabeçaram um projeto que pretendia reunir em museu as obras de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) que retratavam o Brasil. Na Alemanha, a dupla conseguiu comprar alguns quadros esquecidos na Coleção de Arte Gráfica de Munique, que pertenceram à coroa de Baviera. Mas foi só. Com a obra de Rugendas espalhada pelo mundo e, principalmente, em coleções particulares, Ribeiro e Rodrigues abandonaram a empreitada.
A reunião das obras só ocorreu, de fato, em 2002, quando o historiador chileno Pablo Diener e a brasileira Maria de Fátima Costa lançaram “Rugendas e o Brasil”, livro com cerca de mil pinturas, gravuras, desenhos e a biografia de um dos principais pintores que representou o Brasil do século 19, ao lado de Jean-Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay.
Fora de catálogo há alguns anos, a publicação ganhou nova edição, recentemente, pela editora Capivara. A principal novidade é a descoberta do óleo sobre tela “Paisagem no interior da mata tropical no Brasil com figuras” (1842), que integrava uma coleção particular em São Paulo e nunca havia sido divulgado.
A tela não especifica o local que Rugendas retrata. Isso não importa, contudo. A preocupação do pintor é com os detalhes. Na imagem, nativos descansam ao pé do que parece ser uma gameleira, próximos a um pequeno lago com vitórias-régias e várias outras espécies de plantas. O mais impressionante, contudo, é que Rugendas pintou a cena apenas com base na memória que tinha da viagem feita ao Brasil 20 anos antes.
EXPEDIÇÃO DE LANGSDORFF
Esse interesse do pintor pelos detalhes da natureza e das pessoas que viviam no Brasil da época reflete suas experiências pessoais. O primeiro contato dele com o país foi em 1821, quando integrou a expedição naturalista russa organizada e chefiada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff. Foi dessa excursão que nasceu “Viagem pitoresca através do Brasil”, primeira reunião das obras de Rugendas sobre o país, publicada pelo próprio pintor.
Rugendas tinha apenas 19 anos quando desembarcou em solo brasileiro, mas já contava com bagagem suficiente. Além de ser formado pela Academia de Belas Artes de Munique, era filho do diretor da academia artística de Augsburgo, sua cidade natal, e toda a sua família tinha se destacado no campo artístico.
“Rugendas tinha consciência dessa formação artística. Ele sabia de seu valor e de suas virtudes. Só não conhecia seus defeitos”, diz Diener, lembrando o episódio em que o pintor rompeu com Langsdorff antes do fim da excursão, em 1824.
O grupo de Langsdorff estava em Barra do Jequitibá, interior mineiro, quando o chefe da expedição começou a discutir com o zoólogo Édouard Ménétriès sobre pagamentos e prazos para as entregas. Rugendas entrou na briga, defendendo violentamente o colega francês. Ao ser repreendido por Langsdorff, que lembrou que ambos estavam em ambiente civilizado, respondeu: “Onde o senhor está, não existe convivência civilizada. Para mim, pouco importa se o senhor é cavaleiro de uma Ordem de um rei ou do imperador da Rússia; mesmo assim lhe digo: o senhor é um cachorro”. Rugendas tinha 22 anos.
“O trabalho que ele fez com Langsdorff, contudo, foi fundamental”, ressalta Diener. “Com ele, Rugendas começou a ser educado como artista viajante, entendeu como compreender a natureza e como abordá-la. Ele não tinha esse conhecimento porque sua formação era neoclássica. Graças ao contato com viajantes de primeira linha, como Langsdorff, ele se torna uma brilhante figura do mundo dos ilustradores naturalistas e viajantes científicos”.
EUGÈNE DELACROIX
Rugendas ficou no Brasil de 1821 a 1825. Quando voltou para a Europa, foi a Paris e conheceu Eugène Delacroix, de quem era profundo admirador. Em 1845, voltou aos trópicos, onde ficou por um ano. Nesse período, retratou a família imperial e foi convidado a participar da Exposição Geral de Belas Artes. Em 1846, retornou definitivamente para a Europa.
É possível acompanhar no livro de Diener e Maria de Fátima Costa o desenvolvimento de Rugendas como artista naturalista. Ao analisar os esboços dos desenhos, nota-se o processo pelo qual ele passou até conseguir retratar com profusão de detalhes diferentes espécies da flora brasileira e com precisão visual os rostos de escravos, nobres e cidadãos comuns.
“Quando a gente analisa as pinturas de Rugendas depois que ele se encontrou com Delacroix, vemos que Delacroix está absolutamente presente. É um tipo de composição (a de Rugendas) mais ágil, mais ousada e mais brincalhona. Embora ele tenha recebido formação neoclássica, sua obra se aproxima do romantismo e da de Delacroix”, afirma Diener.
TOUR POR MINAS
Na primeira incursão que Rugendas fez pelo Brasil, passou por diversas cidades e estados (chamadas de províncias na época). Em Minas Gerais, conheceu, além da já famosa Vila Rica, Barbacena, São João del-Rei, Barbacena, Sabará e Santa Luzia. Nessa última, chamou a atenção dos moradores por seu talento, tendo recebido pedidos de várias pessoas para serem retratadas por ele.
“RUGENDAS E O BRASIL - OBRA COMPLETA”
• Pablo Diener e Maria de Fátima Costa
• Editora Capivara (612 págs.)
• R$ 195