Pesquisa da Câmara Brasileira do Livro aponta que apenas 16% da população brasileira acima de 18 anos comprou ao menos um livro ao longo de 2023 -  (crédito: Daniel ROLAND / AFP)

Pesquisa da Câmara Brasileira do Livro aponta que apenas 16% da população brasileira acima de 18 anos comprou ao menos um livro ao longo de 2023

crédito: Daniel ROLAND / AFP

No início deste mês, a Câmara Brasileira do Livro divulgou o resultado da pesquisa "Panorama do consumo de livros", encomendada à consultoria Nielsen. O primeiro dado apresentado é de que o Brasil tem 25 milhões de consumidores de livros. Sessenta e nove por cento deste grupo adquiriu entre um a cinco exemplares no último ano.

 

Outro dado não é nada animador: apenas 16% da população brasileira acima de 18 anos comprou ao menos um livro ao longo de 2023. Desta maneira, 84% dos brasileiros não adquiriram livros – preço, ausência de loja e falta de tempo foram os fatores que mais desmotivaram a compra.

 

Dos que compraram, 55% o fizeram pela internet. E, nesta seara, o domínio da Amazon é inconteste – o gigante do e-commerce responde por dois terços das compras virtuais de livros físicos no país.

 

 

A lista geral da Amazon dos títulos mais vendidos de 2023 repete, no topo, o mesmo nome do ano anterior. A escritora norte-americana Colleen Hoover, bestseller mundial em romances para jovens, é, mais uma vez, a autora mais vendida no país – com o título "É assim que começa". Há outros três livros dela também no top 10.

 

A mineira Carla Madeira é a única brasileira na lista, com "Tudo é rio" abocanhando a oitava colocação. Há outro título de ficção, "A biblioteca da meia-noite" (literatura fantástica para jovens), do britânico Matt Haig. Os demais são volumes de autoajuda ou administração financeira.

 

O Estado de Minas ouviu profissionais de Belo Horizonte que integram a cadeia do livro para refletir não só sobre estes dados como também sobre o ano de 2023. Fundadora da Autêntica, editora em atividade desde 1997 e hoje um dos grandes grupos editoriais do país (com sete selos), Rejane Dias afirma que o mercado mudou bastante nos últimos cinco anos. A pandemia e o fim das duas maiores varejistas do país (a Saraiva e a Cultura) redesenharam o setor.

 

"De fato, 2020 e 2021 foram importantes para nós. Com as famílias em casa (em decorrência da crise sanitária), o consumo de livros aumentou. Por outro lado, lançamos (no mesmo período), de 20% a 30% menos (títulos novos). O que fizemos foi olhar para o 'fundo de catálogo', valorizar coleções, refazer capas, trazer de volta (antigos) títulos."

 

FUNDO DE CATÁLOGO

 

Com o fim da pandemia, Rejane comenta, o número de vendas permaneceu estável nos dois últimos anos. O que já é positivo, "pois é quase 60% a mais do que tínhamos em 2019." O fim das duas tradicionais redes de livrarias abriu caminho para a Amazon. "E eles vendem mais 'fundo de catálogo' do que novidades. Os algoritmos olham mais para o passado do que para o presente."

 

A editora diz ter sentido um aumento no interesse na ficção porque as pessoas "têm buscado uma forma de escapar do peso da realidade". Na Autêntica, ela destaca os segmentos juvenil, de época e fantasia. Na não-ficção, Rejane se diz impressionada com o crescimento de títulos em torno de saúde mental, qualidade de vida e desenvolvimento pessoal.

 

Rejane traz ainda um dado interessante sobre o mercado de literatura. "A maioria dos livros (de autores desconhecidos) estão com um tempo de lançamento maior. Antes, um título tinha que acontecer em seis meses. Agora, geralmente a venda cresce a partir do segundo ano (do lançamento). Ou seja, não desistimos do livro tão rápido (quanto antes)."

 

Em relação a esse aspecto, o caso de Carla Madeira é exemplar. Em 2024, seu primeiro romance, "Tudo é rio", vai completar 10 anos de lançamento – vale lembrar que ele saiu primeiro pela Quixote, editora independente de BH ligada à livraria de mesmo nome, e só em 2021 chegou à Record.

 

Carla se diz "muito feliz" pela trajetória "de crescimento de leitores muito consistente". "É um livro que vendeu muito, mas, quando a gente pensa em termos de Brasil, vê como precisa aumentar o número de leitores no país. E 'Tudo é rio' tem potencial para chegar em mais pessoas."

 

Para ela, o sucesso editorial se deve ao boca a boca, que ganhou outras nuances no mundo atual. "Hoje, ampliado pela tecnologia, ele se tornou uma coisa muito poderosa. Um livro só passa a ser fenômeno se ele acontece no leitor. Você pode atrapalhar um livro se você não distribuí-lo bem, se não tiver uma boa estratégia de marketing, de comunicação. Mas ter uma boa estratégia não garante o sucesso", comenta Carla.

 

Alencar Perdigão, da Quixote, foi o primeiro editor de "Tudo é rio". Neste ano, a livraria homônima na Savassi completou 20 anos. A lógica do mercado livreiro no pequeno comércio é completamente diferente da venda virtual, diga-se.

 

"O que move a pequena livraria é o lançamento. Claro que na Quixote temos um 'fundo de loja' bem clássico, com os livros que criaram o perfil da livraria. Mas o movimento vem dos lançamentos, principalmente das editoras pequenas", diz Perdigão.

 

 De acordo com ele, houve muitas editoras de menor porte que nasceram da pandemia para cá, assim como os clubes de livros. "As pequenas são ótimas para as livrarias de rua, e nós damos espaço para elas."

 

Para Perdigão, o diferencial da pequena livraria é sempre o atendimento. "Quando um livreiro cisma com um livro, ele vende demais." Um dos bestsellers da Quixote em 2023 é o romance "Sátántangó", do escritor húngaro László Krasznahorkai, publicado originalmente em 1985 e só lançado no Brasil no final de 2022. Está longe de ser um livro fácil. Vendeu muito porque o livreiro, Bruno Zattar, é apaixonado pelo título.

 

"Mas o sonho de ter uma livraria e ficar quietinho, num canto, recebendo leitor, não existe, não. Hoje o livreiro tem que ficar atento a tudo, rede social, produzir evento. O número de leitores do Brasil é muito pequeno, e nós trabalhamos com nicho. Hoje percebo um aumento de jovens na livraria, mas, para ser sincero, houve épocas durante a pandemia que a venda estava melhor do que agora", finaliza Perdigão.