Em entrevista ao Estado de Minas, o filho único de Candido Portinari (1903-1962), João Candido, diretor-geral do Projeto Portinari, relembra os primeiros contatos do pai com Belo Horizonte, onde ficam importantes obras dele. Os 120 anos de nascimento do artista plástico são celebrados nesta sexta-feira (29/12).
“Em 11 de setembro de 1943, aparece, pela primeira vez, menção ao convite para que Portinari decore uma igreja na Pampulha, recém-projetada por Oscar Niemeyer”, diz João. “Trata-se de carta da amiga Lúcia Machado de Almeida: ‘...Com grande alegria, soube pelo nosso prefeito, Dr. Juscelino Kubitschek, que você vai fazer as pinturas para a capela da Pampulha.”
Já em 3 de maio de 1944, é inaugurada, na capital, a “Exposição de arte moderna”, iniciativa da prefeitura local, quando tinha à frente Juscelino Kubitschek (1902-1976), prefeito de 1940 a 1945, depois governador do estado e presidente da República. “Aliás, a singularidade foi a tônica dessa exposição, como bem relata Lourival Gomes Machado: "...O melhor da exposição, perdoem-me os expositores, era a excitação popular, a onda tremenda de fé dos moços e de despeito dos velhos. Era o conflito que se centrou sobre um quadro de Portinari onde havia um grande galo de cabeça para baixo. Sobre a pintura travou-se a batalha de Belo Horizonte que ainda continuará por mais quinze dias.”
Em junho de 1944, conta João Candido, Portinari chega a Belo Horizonte para fazer a pintura mural do altar da igreja da Pampulha. “É o 'São Francisco se despojando das vestes', considerado por Israel Pedrosa a obra sacra mais importante do século 20, em termos mundiais. Nesse trabalho, é auxiliado por seu irmão Lói e pelos amigos Santa Rosa, Athos Bulcão e José Morais. No entanto, a maior parte da contribuição de Portinari para a igreja (fachada, púlpito, confessionário e batistério) tem a forma de painéis de azulejos, cuja feitura está a cargo de Paulo Rossi Osir, em São Paulo.”
Festança espiritual
Ainda para a Pampulha, acrescenta João Candido, Portinari recebe a encomenda para fazer uma via-sacra. “O literato Paulo Mendes Campos relembra a Belo Horizonte dessa época: '...a cidade mineira reçumava pastosos preconceitos contra artes e letras. A presença de Portinari e seus auxiliares, por isso mesmo, inaugurou uma festança espiritual em nossos corações de moços rebeldes, uma euforia mental que eu talvez não tenha sentido igual na vida.”
As referências a Minas são muitas. “Há uma que salta aos olhos, o painel 'Tiradentes', que se encontra no Memorial da América Latina, em São Paulo. Outra é 'Esquartejamento de Felipe dos Santos', primeiro herói nacional brasileiro, executado em Minas décadas antes de Tiradentes. Esta obra foi criadai para atender a encomenda de Niemeyer. Ela se destinava a decorar o Palácio da Alvorada, em Brasília. Há também os retratos que Portinari pintou de Juscelino Kubitschek e de sua família, o retrato de Carlos Drummond de Andrade”, detalha João Candido.
O pintor Candido Portinari morreu em 6 de fevereiro de 1962, vítima de intoxicação causada por tintas. Na última década de vida, criou para a sede da ONU os painéis “Guerra e paz”. Para João Candido, a esta obra é o trabalho maior da vida do pai. “O mais universal, o mais profundo, também, em seu majestoso diálogo entre o trágico e o lírico, entre a fúria e a ternura, entre o drama e a poesia”, conclui.