Dois universos distintos e distantes dividem o espaço da DotArt galeria a partir desta terça-feira (5/12), com a inauguração das exposições “O som que faz fechar os olhos ou toda essa luz que ronda nossas cabeças”, de Roberto Freitas, e “Cuidado com quem fecha a janela para nos falar da paisagem”, de Bruno Lyfe.
Natural de Buenos Aires, Freitas trabalha a partir de uma pesquisa realizada em Bruxelas, onde mora atualmente, e Lyfe traz recortes da sua vivência em Ramos, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, onde nasceu, foi criado e mantém seu local de trabalho. A mostra do artista carioca se insere na tendência de abrir espaço para olhares e expressões que, via de regra, estiveram à margem do circuito institucionalizado.
“Cuidado com quem fecha a janela para nos falar da paisagem” é a primeira individual que Lyfe realiza fora do Rio de Janeiro. Ele diz que a expectativa é grande, porque, a despeito do mote personalista, suas obras podem despertar identificação com diferentes públicos, de diferentes latitudes. “Essa série diz muito do lugar de onde venho, traz um pouco da minha história, dos meus pares, das pessoas que têm a mesma origem que eu”, afirma.
O artista pontua que as obras trazem referências estéticas de seu bairro, “mas, ao mesmo tempo, são recorrentes em grande parte do país: as zonas periféricas, os territórios que dispõem de menos recursos financeiros, mas que, ainda assim, guardam muito de beleza e de cultura”.
Sua trajetória nas artes pelo grafite, em 2009, quando ele tinha 18 anos. Logo em seguida, Lyfe ingressou na Faculdade de Belas Artes da UFRJ, onde, conforme diz, adquiriu a bagagem formal da escola de arte. A pesquisa que gerou o conjunto de obras reunidas em “Cuidado com quem fecha a janela para nos falar da paisagem” se deu entre 2019 e 2020.
NOVO CENÁRIO
“Veio junto com essa mudança de cenário da arte contemporânea, com a abertura de portas e de olhares para artistas que vêm de onde eu venho e que não tinham espaço nesse circuito. Iniciei uma busca conceitual e encontrei na minha própria história um lugar de fala. No momento em que a história da arte está abrindo essas possibilidades, achei justo falar de um ambiente que até então vinha sendo alijado”, comenta.
Ele conta que houve um esforço consciente para encontrar uma linguagem que se afastasse um pouco do universo do grafite, que considera quase um estilo de vida. “Eu quis separar as coisas.” As referências da arte urbana, no entanto, ainda ressoam em seu trabalho atual. “Trabalho com cores bem vivas, é uma coisa que trouxe como bagagem do grafite, e, talvez, algumas formas. De toda maneira, são materiais, técnicas e suportes diferentes, então acaba naturalmente havendo uma distância estética”, diz.
O título com que a exposição é batizada foi tirado do refrão de uma música do rapper Onni, da Zona Oeste do Rio de Janeiro, que é seu amigo. “Quando ouvi, essa frase me bateu de uma forma muito visual. Enxerguei muito do que a gente viveu e vive até hoje, nossa história, que foi meio apagada. O que o circuito de arte e a mídia nos mostram são outras paisagens, que nos deixam distantes. O que estão fechando para nossas vistas e o que estão querendo mostrar? Acho que tem aí uma questão de controle”, diz.
As obras que integram a exposição se constituem de três etapas: os registros fotográficos, que ele mesmo faz ou coleta em acervos de pessoas próximas, o recorte e a colagem dessas imagens e, por fim, a pintura sobre os cenários, elementos, objetos e eventos que concebe. “Acho mais interessante criar uma configuração nova com essas imagens do que simplesmente representar em uma única foto uma pintura. Consigo contar uma história maior e melhor juntando elementos”, afirma.
Ele observa que, dessa forma, é um trabalho que parte da figuração, mas não se prende a ela. “Começa na fotografia, mas na hora que passa para a pintura, busco desconstruir um pouco a representação fiel, trabalhando com os volumes e as cores. Mudo completamente as cores da maioria das imagens, assim como as perspectivas, então, no final, acaba dialogando muito com a abstração.”
TRANSIÇÕES
Roberto Freitas, por sua vez, mostra em “O som que faz fechar os olhos ou toda essa luz que ronda nossas cabeças” os resultados de uma pesquisa sobre o período em que as técnicas de têmpera sobre madeira, tradição que atravessou toda a Idade Média no Flandres (hoje Holanda e parte da Bélgica), são substituídas pela pintura a óleo. A mostra é composta por três diferentes momentos que trabalham com a ideia do que escapa, do invisível e do mistério.
Ele observa que não foi por acaso que ocorreu uma transição técnica estrutural ao mesmo tempo em que morria o homem medieval e nascia o indivíduo moderno. O artista esmiuçou os museus em busca de compreender o que virou hiato, o que deixou de existir não apenas tecnicamente, mas na construção do imaginário humano. Ele traz algumas de suas descobertas para as pinturas guache sobre madeira e óleo sobre tela que compõem os dois primeiros momentos da mostra.
O terceiro traz três esculturas que apresentam pinturas a óleo sobre madeira em rotação, fugidias ao olhar, que não se deixam visualizar de forma completa. “O que é inatingível é um dos centros do meu trabalho. Flerto com a questão ontológica. É justamente no hiato entre aquilo que é visível e o que não se pode ver, porque não se pode sequer conceber, que reside o que alarga as fronteiras do que chamamos de olhar”, comenta.
EXPOSIÇÕES
“O som que faz fechar os olhos ou toda essa luz que ronda nossas cabeças”, de Roberto Freitas, e “Cuidado com quem fecha a janela para nos falar da paisagem”, de Bruno Lyfe, a partir desta terça (5/12) até 1º de março de 2024, na DotArt Galeria (Rua Bernardo Guimarães, 911, Savassi – 31-3261.3910). Visitação de segunda a sexta, das 9h às 18h, e sábados, das 10h às 13h. Entrada franca.