Em 29 de setembro de 1988, um avião Boeing da hoje extinta Vasp saiu de Porto Velho (RO) com destino ao Rio de Janeiro, fazendo escalas em Cuiabá, Brasília, Goiânia e Belo Horizonte. Na capital mineira, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição, com 28 anos na época, embarcou sem dificuldades com uma pistola calibre 32 e 90 balas para recarregar a arma.



Aproximadamente 20 minutos depois da decolagem, Nonato anunciou que estava sequestrando a aeronave. Saiu de sua poltrona e caminhou em direção ao cockpit, atirou no comissário que estava no caminho e no copiloto, matando-o com um disparo na nuca. Em seguida, apontou a arma para o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva e o mandou seguir para Brasília. Seu plano era jogar o avião contra o Palácio do Planalto.

Para desequilibrar o sequestrador, Fernando Murilo colocou o avião de cabeça para baixo ao realizar um tonneau (manobra em que o avião dá uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal), mas não conseguiu mudar os planos de Nonato.

Por mais extraordinária que a história possa parecer, ela é real e inspirou o filme “O sequestro do voo 375”, de Marcus Baldini, que estreia nesta quinta-feira (7/12), nos cinemas.

ATO DE VINGANÇA

Na época do atentado, Nonato (que no filme é interpretado por Jorge Paz) tinha acabado de ser demitido da construtora Mendes Júnior, onde trabalhava como tratorista. O motivo do desligamento, conforme alegou para a polícia e para as cerca de 100 pessoas a bordo do avião, era a política econômica do então presidente José Sarney. O atentado, portanto, seria um ato de vingança.

A economia brasileira, com efeito, não ia nada bem. Naquele 1988, o desemprego oscilou entre 9% e 11%, e a inflação estava, em média, em 17,7% ao mês - em termos de comparação, neste 2023, a inflação tem girado em torno de 0,20% ao mês e a taxa de desemprego é de 7,7%.
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O ato terrorista de Nonato só não foi para a frente, porque Fernando Murilo (Danilo Grangheia no filme), o piloto, conseguiu dissuadi-lo da ideia. Disse que não havia condições de visibilidade em Brasília e que o combustível já estava na reserva, o que o forçava a pousar em Goiânia.

Em solo, o sequestrador negociou por horas com a Polícia Federal e saiu do avião usando Fernando Murilo como escudo humano. Contudo, foi alvejado pela polícia com dois tiros na altura dos rins. Uma terceira bala atingiu o piloto na perna.

Nonato foi encaminhado para um hospital, passou por cirurgia de emergência e morreu de maneira muito suspeita dias depois. Segundo os médicos, a causa da morte foi anemia falciforme, sem relação com o fato de Nonato ter sido baleado.

“Desde quando começamos as primeiras conversas sobre o filme, uma das preocupações minha e da Joana (Henning, produtora do longa) era a de não fazer um personagem caricato”, afirma Baldini. “Porque, quando mostramos um cara que quer matar o presidente, isso, às vezes, acaba caindo numa coisa irresponsável que é a de possibilitar ao público interpretá-lo como um herói, quando, na verdade, ele iria matar mais de 100 pessoas”.

Nonato, de fato, é uma figura complexa. Não há registros de antecedentes criminais e há, inclusive, versões de que ele ajudava a mãe com as contas de casa e a criar a própria filha pequena, faceta do sequestrador que foi abordada no filme. Também não há controvérsias em sua vida profissional. Como tratorista, chegou a trabalhar em diferentes lugares do Brasil e até mesmo no Iraque, o que provavelmente não ocorreria com um profissional ruim.


INGÊNUO, CORAJOSO E INSTÁVEL

“Nonato era um cara difícil de compreender, alguém com muitas questões. Não foi um personagem fácil”, conta Jorge Paz. “Por isso procurei não me ater a rótulos: ele é um cara mau, ou um cara bom. Isso não existe. Ele, no meu ponto de vista, era um cara muito ingênuo de achar que aquilo ia resolver o problema do Brasil, mas muito corajoso para fazer aquilo e, o mais importante, acredito que ele não estava psicologicamente saudável”, avalia o ator.

“O sequestro do voo 375” teve orçamento na casa dos R$ 20 milhões, o que garantiu boa estrutura de filmagens, com a recriação do Boeing e detalhes da época no figurino e no cenário. Porém, os diálogos são repletos de clichês e os efeitos especiais, têm qualidade duvidosa.

O maior mérito do filme não é o de se posicionar no circuito como filme brasileiro de gênero, como vem se vendendo; e sim o de jogar luz numa história que mudou as ações de segurança nos aeroportos, mas vem caindo no esquecimento.

“O SEQUESTRO DO VOO 375”
(Brasil, 2023, 107min) Direção: Marcus Baldini. Com Danilo Grangheia, Jorge Paz e Roberta Gualda. Em cartaz no BH Shopping, Big, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond Mall, Estação, Itaú, Minas, Monte Carmo, Norte, Partage, Pátio Savassi, Ponteio e Via Shopping. Horários disponíveis nos sites dos respectivos shoppings.

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