Um encontro, no primeiro semestre deste ano, do coletivo Poncã, formado por alunos do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart) da Fundação Clóvis Salgado, com a companhia Toda Deseo foi o embrião do espetáculo “Baque”, que marca a formatura da turma. A montagem estreia nesta quinta-feira (7/12) e cumpre temporada até o próximo dia 17, na Funarte-MG.



Com uma década de atuação, a Toda Deseo é responsável por espetáculos como “Corpos que não importam” (2014), “Campeonato interdrag de gaymada” (2015) e “Glória” (2018). Foi de David Maurity, integrante da companhia, a ideia de tomar como inspiração para a montagem o livro “Eles eram muitos cavalos” (2001), do mineiro Luiz Ruffato.

Diretor da peça, Maurity explica que o processo começou da estaca zero, mas ele já tinha em mente trabalhar com o romance de estreia do escritor, que venceu os prêmios APCA e Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional.

“Os primeiros exercícios com a turma foram bem livres, para entender mesmo a pegada da galera, saber os desejos e interesses deles, mas eu tinha uma vaga ideia do que eu gostaria de fazer. Era algo que estava rondando minha cabeça, mas foi um tiro no escuro”, diz.

Ele comenta que “Eles eram muitos cavalos” é “um romance composto por fragmentos, em que o autor mescla linguagens, traz muitas coisas da rua, do cotidiano – um santinho, uma oração –, para falar de um dia na cidade de São Paulo”. E conta que viu na obra “um traço dramatúrgico interessante para se trabalhar, colocar isso no palco, para, de alguma maneira, potencializar algum aspecto que a literatura talvez não desse conta”.

A dramaturgia de “Baque” costura trechos adaptados do livro com outros assinados pelos atores que estão em cena e pelo diretor. Maurity explica que o romance de Ruffato foi apenas uma base para o espetáculo, que, não por acaso, tem como subtítulo “experimentos sobre a obra”.


SEM LINEARIDADE

Ele observa que os textos autorais não necessariamente se inspiram em “Eles eram muitos cavalos”, podendo, inclusive, ter um caráter íntimo, pessoal. “O que fiz foi tentar me aproximar um pouco dessa forma que o livro traz, brincando um pouco com a linguagem. Posso trazer um texto com início, meio e fim, mas com uma oração no meio dessa sequência, ou uma música ou qualquer outro elemento divergente. Não há uma linearidade nas histórias que o espetáculo conta”, pontua.

Os textos são levados à cena no formato de esquetes, que Maurity prefere chamar de “fragmentos”, já que eles se complementam no âmbito de uma temática maior, que se relaciona com questões sociais e com o cotidiano das pessoas. O diretor ressalta que “Baque” busca recriar uma ambiência que é comum às metrópoles.

“É como se estivéssemos parados no centro da cidade e as histórias fossem passando diante dos nossos olhos, como acontece em qualquer capital, com um milhão de cenas, acontecimentos, pequenos enredos que se sucedem. A gente não consegue dar conta de tudo aquilo que se passa na multidão, no ir e vir das pessoas, então não há uma conexão pelo texto, mas sim por uma temática macro que une essas histórias de alguma maneira”, afirma.

Segundo o diretor, não há um clímax ou um desenvolvimento dos relatos que foram escolhidos para compor a dramaturgia. “A peça propõe uma visão particular sobre o caos urbano, que nos leva a seguir nossas vidas sem nos permitir dar atenção às múltiplas situações que passam tão escancaradas diante dos nossos olhos todos os dias”, diz. O que se depreende desse “caos urbano”, conforme aponta, é a apatia, a solidão, a escassez e a falta de otimismo, que, contudo, não escamoteiam uma constante busca pela vida e pela mudança.

Ele considera que essa parceria da Toda Deseo com o Cefart representa mais uma conquista neste 10º aniversário da companhia que, desde sua criação, pesquisa temas LGBTQIAP+. “Construímos ao longo desses 10 anos um trabalho ininterrupto e consolidado em Belo Horizonte e em outras cidades, mas é a primeira vez que nos unimos como companhia para organizar a criação de um outro grupo. Trata-se de entender todo o mecanismo para lidar com outras pessoas e ideias.”

Outros integrantes da Toda Deseo também estão envolvidos na montagem: Juliana Abreu e Carol Fescina são assistentes de direção e Rafael Bacelar é o orientador artístico. “Fomos com nossa bagagem ao encontro de outros artistas, que têm suas próprias pesquisas e seus próprios desejos. Eles estão começando a vida profissional agora, mas já ocupam territórios da cidade e estão antenados ao que está acontecendo, então é uma troca”, aponta o diretor.

 

TEMPORADA DE ESTREIAS

O diretor David Maurity espera que um público expressivo vá conferir “Baque” em sua temporada de oito dias na Funarte-MG. Ele observa que este é um período do ano com muitas estreias de turmas de escolas técnicas ou cursos livres de teatro que estão se formando. “Cria-se um ambiente que é atrativo para o público. A gente espera que as pessoas abracem esse projeto e que saiam da peça com o desejo de ver mais teatro, de entender a importância desses espaços formativos de Belo Horizonte, que são seminais, com as diversas linguagens artísticas que saem daí”, afirma.

“BAQUE”
Espetáculo de formatura dos alunos do Cefart, em colaboração com a companhia Toda Deseo, a partir desta quinta-feira (7/12) até o próximo dia 17, com sessões de quinta a domingo, às 19h30, na Funarte-MG (Rua Januária, 68, Centro). Classificação indicativa: 16 anos. Entrada gratuita. Mais informações: 31.3236-7400.

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