O chinês John Woo teve uma passagem atribulada pelos Estados Unidos a partir dos anos 1990. Em Hollywood ele filmou longas como "Outra face" (1997), com John Travolta e Nicolas Cage, e "Missão impossível 2" (2000). Após algumas decepções e tropeços, Woo voltou ao cinema asiático. E eis que chegamos aos dias de hoje. Duas décadas depois, ele lança novamente um filme produzido em Hollywood, "O silêncio da vingança", em cartaz nos cinemas.




O início já nos intriga, bem ao gosto do diretor, pela mistura estranha. Um solitário balão vermelho sobe ao céu, balas começam a ressoar ao fundo. Um homem com agasalho de bicho de pelúcia corre desesperadamente atrás de bandidos tatuados e de cara enfezada. Ao fim da perseguição, recebe um tiro na garganta.

Aos poucos, o quebra-cabeças começa a ser montado. O homem é pai de um garotinho que morre vítima de bala perdida no confronto entre duas gangues. Levado ao hospital se esvaindo em sangue, ele sobrevive milagrosamente, como o filme simboliza pela montagem e iluminação, mas perde a fala.

Disso resulta a principal audácia, já realçada pelo título: trata-se de um filme praticamente mudo - as poucas falas, no início, vêm de um programa de rádio. O que poderia resultar em um anacronismo estetizante, como o uso de preto e branco em certos longas com pretensão dita artística, tem efeito oposto. Permite a Woo criar o espetáculo pulsante que tanto aprecia.

Acompanhar o filme apenas por seu enredo é das experiências mais banais. Pela enésima vez, vemos um bairro tomado por bandidos malvados, sem individualização, polícia e estado ineficazes, um herói que só vê na vingança com as próprias mãos a chance de restabelecer alguma ordem.


A pobreza da trama, contudo, acaba por ser um trunfo nas mãos de Woo. Dispensando diálogos, reviravoltas, psicologia, ele salta, como em um daqueles belos rodopios de sua câmera, da insignificância para a sofisticação.

Tudo se narra em uma explosão de cores, formas, movimentos e corpos. Passado, presente e futuro do protagonista, a degradação de seu casamento e o crescente desejo de vingança surgem como que embalados em uma sensação de sonho, reais e fantasiosos ao mesmo tempo.

FILME B

"O silêncio da vingança" é um exemplo do que antes se chamava filme B, produções de orçamento mais modesto, sem atores famosos e sem grandes perspectivas de retorno comercial. Talvez seja um sinal de decadência de Woo na indústria americana.

Mas o filme B, por todas as suas características, por estar menos subjugado a pressões dos produtores, também era o espaço de experimentações, de ousadias formais e temáticas. Aos 77, Woo fez um pequeno filme a seu modo, com a liberdade e o descompromisso que a maturidade pode oferecer.

Seguindo uma de suas manias favoritas, não se importa em interromper algumas vezes uma matança para tocar uma canção de trenzinho infantil. Mais uma vez, Woo trocou a lógica pela beleza. (Marco Rodrigo Almeida, Folhapress) 

“O SILÊNCIO DA VINGANÇA”

(EUA, 2023, 104 min.) Direção: John Woo. Com Joel Kinnaman, Catalina Sandino Moreno, Kid Cudi. Em cartaz nos shoppings Boulevard, Cidade e Pátio Savassi.

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