“Só eu poderia constatar: o que sei sobre o amor eu inventei”. Assim Rico Dalasam encerra “Guia de um amor cego”, segunda faixa do EP “Fim das tentativas”, lançado no ano passado. Intenso, confuso, carnal e romântico, o amor sempre foi o ponto central das obras do cantor paulista.

Mais maduro e centrado, Rico, de 34 anos, dá outro significado a esse sentimento em “Escuro brilhante, último dia no Orfanato Tia Guga”, seu terceiro álbum de estúdio, que chega às plataformas nesta quinta-feira (14/12).

Marcado pela frase “Minha noção mais recente de amor sou eu me levando no braço”, o disco mostra o retorno de Rico aos tempos de sua infância órfã e celebra os momentos alegres da trajetória do artista paulistano.

“Me dei conta de que a dualidade, que sempre acompanha minha obra, desta vez quer se mostrar do amor à orfandade. Se quiser dar um passo nas coisas do amor, eu preciso voltar para me buscar no orfanato da minha história”, explica o cantor, compositor e rapper.



As 10 faixas, produzidas por Mahal Pita e Dinho Souza, completam a trilogia com “Dolores Dala guardião do alívio” (2021) e “Fim das tentativas” (2022).

“As canções, todas felizes, são cápsulas de dias com muito espaçamento. Alguns de 2018 e alguns de dois meses atrás, nos quais me vi no instante mágico de amar, possibilitando a experiência das coisas bonitas e da troca no modo geral, não resumidas só ao amor”, explica.

“Para mim, sempre foi mais fácil marcar a vida de alguém do que me deixar ser marcado. Ainda é difícil me acessar. Essas faixas são os raros e especiais momentos que conseguiram isso”, afirma Dalasam.

Meninos devolvidos

Rico volta à década de 1990, quando vivia em uma casa de amparo em São Paulo. Um visualizer foi lançado, com imagens do orfanato. Dalasam volta aos medos que permeavam seu cotidiano enquanto criança para adoção, o que guiou sua perspectiva futura sobre o amor e a felicidade.

“Certo dia, Fatuma me contou que o juiz deixava devolver a gente se desse problema, e ela já tinha visto três crianças serem devolvidas. Depois desse dia, todos os meus pensamentos eram acerca do que fazer para não ser devolvido. Aprendi a ler bem bonito e falar do que li. Passei a pentear o cabelo de todo mundo, aprendi a jogar xadrez e me empenhar em ser brilhante na escrita, entre outras habilidades que afastassem dessa coisa de ser devolvido”, diz o cantor.

“Parei de pensar assim quando tinha uns 16 anos. Queria fazer logo 30 e realizar uma simbólica volta para me buscar. Agora, eu mesmo me levo no braço, a minha noção mais recente de amor”, completa.

Solar, festivo e dançante, o álbum traz participações emblemáticas de duas cantoras negras: Liniker, na faixa “Quebrados”, e Eliana Pittman, em “Vicioso”, que usa o sample de “Nem saudade”, canção que ficou conhecida na voz dela na década de 1970.

“Não as escolhi para participar. Na real, acho que fui escolhido. Tenho muitos feats com artistas que nunca lancei, mas estes fizeram sentido no contexto da obra”, explica.

“'Nem saudade' é música muito foda, que eu queria trazer para o trap. Comecei a trabalhar com os efeitos e consegui deslocar a Eliana para dentro dessa temporalidade sem precisar levá-la ao estúdio”, detalha. “São duas mulheres pretas capazes de narrar o tempo brasileiro. Me senti abençoado”, conclui, ao comentar sua parceria com Eliana Pittman, de 78 anos, e Liniker, de 28.

 

“ESCURO BRILHANTE, ÚLTIMO DIA NO ORFANATO TIA GUGA”


• Álbum de Rico Dalasam
• Independente
• 10 faixas
• Disponível nas plataformas digitais


*Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

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