Desde Humberto Mauro (1897-1983), Minas Gerais se destaca na produção cinematográfica brasileira. Atualmente, empresas mineiras – ou criadas em MG – têm raio de alcance dilatado, seja pela ampla repercussão de conteúdos próprios, seja porque atuam junto a diretores de outros estados e em coproduções nacionais e internacionais.

 

Com 23 anos de história, a produtora Camisa Listrada, comandada por André Carreira e Adriane Lemos, obteve êxitos na primeira década deste século que a levaram a se transferir para o Rio de Janeiro em 2012, mantendo filial em BH.

 

Maior estreia do cinema brasileiro em 2023, “Mussum, o filmis” tem a chancela da Camisa Listrada, assim como os sucessos “Os farofeiros” (2017) e “O candidato honesto” (2014), ambos dirigidos pelo carioca Roberto Santucci. Atualmente, a empresa é parceira da Netflix, Amazon, Fox, Paramount, Telecine e Globo.

 

“A mudança (para o Rio) foi uma decisão acertada. A produção audiovisual em Minas é mais restrita em termos de financiamento, mas seguimos com projetos locais na Camisa Listrada BH”, explica André Carreira.

 



 


De R$ 20 milhões a zero

 

Presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais (Sindav-MG), o produtor e cineasta Guilherme Fiúza Zenha aponta a importância dos mecanismos de fomento para a expansão do setor no estado, mas observa que o financiamento é o principal gargalo. De acordo com ele, houve expansão da produção mineira ao longo das últimas duas décadas, excetuados os anos do governo Romeu Zema (Partido Novo).

 

“A gente saiu de R$ 20 milhões de investimento, durante o governo Fernando Pimentel (PT), para zero. O governo Zema não investe há cinco anos, nunca apresentou um plano para o setor. 'Marte Um', sucesso arrasador feito com fomento afirmativo no final do governo Dilma Rousseff, comprova a potência da produção mineira”, diz. Dirigido por Gabriel Martins, da produtora Filme de Plástico, esse longa foi indicado pelo país para tentar uma vaga no Oscar em 2023.

 

Para Zenha, o atual momento é de retrocesso. “Sem recursos locais, produtoras desistem ou migram para outros estados. O pior é que a gente deixa de gerar produtos ou diminui muito a oferta. Com isso, você perde visibilidade, enquanto outros estados continuam contando com políticas públicas para o cinema e produzindo. Isso (a falta de apoio) arrebenta tudo, porque, na ponta, se reflete em menos emprego, menos distribuição de renda”, destaca.

 

Criada em BH pela Immagini Animation Studios e lançada este ano, a animação "Chef Jack – O cozinheiro aventureiro", com direção de Guilherme Fiuza Zenha, é parceria da Cineart com a Sony Pictures

Immagini Studios/divulgação
 

 

A projeção que Minas alcançou entre 2000 e 2016 ainda reverbera devido à sua diversidade, diz Zenha. “Você tem a Quimera Filmes, do Helvécio Ratton, a Immagini, no campo da animação, a Anavilhana e a Filmes de Plástico, são perfis completamente distintos e diversos.”

 

 

O produtor Thiago Macêdo Correia, sócio dos cineastas André Novais Oliveira, Gabriel Martins e Maurílio Martins na Filmes de Plástico, criada em Contagem e sediada em BH, vê na pluralidade um trunfo. Ele acredita que essa diversidade resulta de dois fatores: a democratização do acesso aos mecanismos públicos de fomento e o avanço tecnológico.

 

 

“Isso se refletiu, de 2009 para 2010, no que a gente via chegando nos festivais de cinema, com novas vozes, porque as pessoas podiam dar vazão a suas ideias sem precisar necessariamente depender de uma estrutura grande. Muitos filmes criativos puderam ser feitos, mostrando o talento de muita gente que começou a produzir com poucos recursos. Essas pessoas conseguiram, posteriormente, pleitear fundos, criar produtoras e crescer para fazer filmes com mais estrutura, remunerando as pessoas”, ressalta.

 

Coprodução do Brasil com Portugal lançada em 2016, "A cidade onde envelheço", da diretora Marília Rocha, recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior

Bianca Aun/divulgação
 

 

Sócia das cineastas Marília Rocha e Clarissa Campolina na Anavilhana, fundada em 2005, a produtora Luana Melgaço vê na diversidade e nos mecanismos de fomento os principais fatores de expansão do audiovisual mineiro.

 

 

“O aumento da produção e o incremento da distribuição decorrem dos incentivos que tivemos. E também da inclusão de profissionais que não necessariamente vinham da intelectualidade, com gente da periferia, com outras histórias para serem contadas”, observa.


Briga nacional

 

Melgaço critica a falta de investimentos do governo de Minas. “Os filmes que surgem agora são mais baratos, com menos chance de mercado. Temos de brigar nacionalmente, o que não é fácil A gente não concorre com o mesmo tipo de orçamento que Rio ou São Paulo, mas, ainda assim, seguimos produzindo filmes com destaque nacional e internacional”, ressalta.

 

Thiago Macêdo Correia e Luana Melgaço trabalham tanto autonomamente quanto com suas respectivas produtoras. Luana é parceira dos cineastas Marcos Pimentel (MG), Júlia De Simoni (RJ), Janaína Wagner (SP) e Santiago Loza (Argentina), além de assinar coproduções internacionais.

 

Correia trabalhou para Thais Fujinaga (SP), Carolina Telles (RJ), Letícia Simões (PE), Fábio Leal (PE), Affonso Uchoa (MG) e João Salaviza (Portugal), além de assinar coproduções – solo ou com a Filmes de Plástico – com a França, a Holanda, e Portugal, além de empresas brasileiras como a carioca Bubbles Project.


EMC afirma que governo de Minas apoia o cinema

 

Diante das críticas de produtores de cinema à falta de apoio do governo de Minas Gerais ao setor, a Empresa Mineira de Comunicação (EMC), responsável pela política do audiovisual do estado, enviou um comunicado a respeito de investimentos para o setor. O texto aponta que foram destinados mais de R$ 96 milhões em recursos, o que contribuiu para “alavancar a cadeia produtiva do cinema”, de acordo com a nota.

 

O comunicado afirma que essa é uma realidade atestada pelo “Diagnóstico socioeconômico do setor audiovisual em Minas Gerais”, elaborado pela ONG Contato em parceria com o Sebrae, que aponta expansão de 52,21% do setor entre 2014 e 2021.

 

A EMC informa também que R$ 75 milhões foram aprovados para fomento à produção por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais (Leic) e de recursos do Fundo Estadual de Cultura.

 

Lançado em maio de 2016, o Programa de Desenvolvimento do Audiovisual Mineiro (Prodam) opera no âmbito da Leic. Seu objetivo é viabilizar políticas públicas por meio de parcerias entre órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, municípios e União, além de instituições privadas. A plataforma interativa visa, especialmente, incentivar e fomentar o setor audiovisual.

 

Em 2020, o Prodam anunciou a destinação de R$ 23,5 milhões para o segmento audiovisual mineiro, distribuídos em editais voltados a roteiros, produção e finalização de longas-metragens para cinema e séries para televisão, além do pré-licenciamento de 37 projetos de obras seriadas e não seriadas de ficção, animação e documentário.

 

De acordo com a EMC, o mecanismo de fomento contempla instituições privadas, entidades da administração pública indireta – as fundações de Amparo à Pesquisa em Minas Gerais (Fapemig), Clóvis Salgado e Rede Minas; as companhias Energética de Minas Gerais (Cemig) e de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig); o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG); o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e a Imprensa Oficial de MG.

 

Produções vindas de fora de Minas, filmes e série da Turma da Mônica foram rodados em Poços de Caldas

Serendipity/divulgação

 


Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo

 

O comunicado da EMC destaca ações via Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, criada durante a pandemia para apoiar o setor cultural. “Minas Gerais foi o estado que executou 100% dos recursos, revertendo um montante, só no audiovisual, de R$ 9,4 milhões em sete editais construídos coletivamente com o setor”, diz o texto, que também destaca os recursos vindos da Lei Paulo Gustavo (LPG).

 

“A EMC, em gestão compartilhada com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, assumiu a condução da LPG em Minas. Foram lançados cinco editais para o audiovisual, construídos coletivamente com a sociedade civil e com representantes de diversas áreas que compõem o segmento, com um montante previsto de R$ 129,7 milhões em repasses”, registra o comunicado.

 

Vale lembrar que as leis de incentivo Aldir Blanc e Paulo Gustavo dispõem de recursos federais geridos por cada estado.

 

Por fim, o texto aponta que a EMC “foi responsável pela reestruturação da Minas Film Comission, criada para apoiar as produções audiovisuais em Minas Gerais e consolidar o estado como importante destino de filmagem no Brasil”, informando que R$ 262 mil foram destinados à capacitação e incentivo ao desenvolvimento regional do setor.

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