Sobre Carlos Lyra, Tom Jobim cravou: “É o maior melodista da Bossa Nova”. O cantor e compositor carioca, que morreu aos 90 anos na madrugada deste sábado (16/12) – Lyra estava internado desde quinta-feira (14/12), com quadro de febre –, foi, talvez o único músico que explorou uma variedade rítmica dentro da Bossa Nova, conforme escreveu Ruy Castro no livro “Chega de saudade: A história e as histórias da bossa nova”.

São de Lyra clássicos da música brasileira, muitos deles em parceria com Vinicius de Moraes, como “Primavera”, “Minha namorada”, “Coisa mais linda”, “Lobo bobo”, “Você e eu”, “Marcha da quarta-feira de cinzas” e “Maria ninguém”, que traz elementos do bolero, mas sem abandonar a cadência da Bossa Nova.

 




Suas canções foram gravadas por João Gilberto, Nara Leão, Sylvia Telles, Astrud Gilberto, Elis Regina, Billy Eckstine, Brigitte Bardot, Joyce Moreno (que, inclusive, foi parceira musical de Lyra), Wanda Sá e Mônica Salmaso, entre muitos outros.

Além de ser um dos precursores do movimento ao lado de João Gilberto, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal e Nara Leão; as composições de Lyra também exerceram grande influência nos músicos mineiros nas décadas de 1950 e 1960. Entre eles, Pacífico Mascarenhas e Nelson Ângelo.

“Desde os anos 1950, o Carlos Lyra foi muito ouvido por nós. E ensinou muito aos músicos de Minas”, lembrou Ângelo ao Estado de Minas. “Ele atraiu os compositores, os artistas e os teatrólogos. Quando eu era menino e morava no meu ‘Clube da Esquina’, no Lourdes, o Lyra era o centro das coisas que se faziam naquela época”.

O bossa-novista se destacou não só pela sua produção musical, mas também por suas ideias sobre política e cultura. No início da década de 1960, afastou-se de Tom Jobim e Bôscoli por considerá-los de direita. Na mesma época, integrou o Partido Comunista e atuou no Centro Popular de Cultura (CPC), associado à União Nacional dos Estudantes (UNE).

Em abril de 1964, pouco depois do golpe militar, a sede da UNE foi atacada. Lyra estava no local com Ferreira Gullar. Depois do atentado, autoexilou-se nos EUA e México.

MEDEIROS, ZÉ KETI E CARTOLA

“Ele era, sim, um dos grandes compositores da Bossa Nova. Mas foi também o cara que fez a ligação entre a Bossa Nova com o samba, com os compositores do morro”, destacou Joyce Moreno. “Ele, inclusive, levou a Nara (Leão) para fazer essa ligação, buscando uma linguagem mais popular e trabalho com compositores como Elton Medeiros, Zé Keti e Cartola”.

Joyce lembra que, recentemente, Gilberto Gil, ao mencionar Lyra e Vinicius de Moraes, disse que, embora fossem dois homens brancos e de classe social alta, souberam levar a força afro-brasileira para as respectivas obras.

Para o músico Marcos Valle, amigo pessoal de Lyra, a perda é "muito grande". "Não só por tudo que ele deixou na música, a relevância das letras, as melodias maravilhosas e o respeito que tinha pela cultura e pela arte, mas também porque ele era um grande amigo, um ídolo que eu tinha”, acrescentou, contando que Lyra foi seu padrinho de casamento.

Outras personalidades que conviveram com Lyra ou que foram influenciados por ele lamentaram sua morte pelas redes sociais. No Instagram, Roberto Menescal ressaltou que o amigo “cumpriu toda a meta dele no mundo, e cumpriu muito bem”.

“Carlinhos partiu. Ele estava precisando partir em paz. Eu fui aluno do Carlinhos em tudo. Na música, no violão – ele me deu as primeiras aulas. E fizemos muitas coisas juntos. Mas não era justo querer segurar mais ele aqui numa condição que não era ideal. A condição ideal ele vai ter lá em cima, com nossos amigos todos que estão por lá. E, aliás, a turma está muito melhor lá do que aqui”, disse Menescal.

No X, antigo Twitter, Ivan Lins lembrou os arranjos e melodias de Lyra. "O Brasil, e mais precisamente o Rio, perde hoje um dos pais da Bossa Nova. #CarlosLyra, inovador e incrível harmonizador e melodista, nos deixa aqui, neste planeta, com sua obra lapidar", escreveu.

Gilberto Gil usou a mesma plataforma para publicar vídeo de sua interpretação de “Saudade fez um samba”, de Lyra e Bôscoli, em apresentação na Academia Brasileira de Letras na última quinta-feira (14/12).

Em poema publicado no Instagram, o mineiro Paulinho Pedra Azul brincou com o sobrenome do colega: “A lira não toca mais na Terra/ Só no céu com os anjos musicais… Cada dia que passa/ solta-se uma nota da partitura/ e a grande massa vai perdendo sua cultura”.

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