"Quando se deseja para uma estrela, seus sonhos se tornam realidade." O verso da música que condensava a magia de "Pinóquio" em 1940 ficou tão famoso que acompanhou toda a trajetória da Disney, como se fosse um lema do estúdio de animação.
Cem anos depois de sua inauguração, no entanto, a máxima dá sinais de que lidar com magia não é tão simples assim. Isto é verdade nos bastidores da empresa, que atravessa algumas crises, e também na trama de "Wish: O poder dos desejos", desenho que marca o seu centenário e que chegou aos cinemas brasileiros oficialmente nesta quinta-feira (4/1).
Ambientado na terra fictícia de Rosas, o filme acompanha um carismático rei que protege os desejos de todos os seus súditos – e decide quais se tornarão realidade e quais são, em teoria, perigosos demais para isso. Até que uma perturbação na magia que paira sobre o reino ameaça a estabilidade desse acordo supostamente feliz.
Com uma trama tão ligada ao poder dos desejos, os diretores Chris Buck e Fawn Veerasunthorn – o primeiro dos já clássicos "Tarzan" e "Frozen"– puderam criar um caldeirão com os temas repetidos pelo estúdio ao longo de sua trajetória, reciclando as fórmulas, arquétipos e estéticas que o transformaram num império da animação.
Sem feitiços
Talvez justamente por isso não enfeitiçou a crítica do jeito que se esperaria para uma produção de tom tão celebratório e nostálgico quanto esta. Grande aposta para comemorar seu centenário, "Wish" frustrou a Disney com aprovação baixa e bilheteria doméstica amena – apesar de, internacionalmente, ter dado resultados melhores.
Críticos viram no filme certa megalomania e narcisismo, com referências em exagero à própria história do estúdio e "easter eggs" pouco orgânicos – ou seja, aqueles detalhes que passam batido para públicos descompromissados.
Mas estes mesmos pontos vistos como falhas por alguns podem facilmente ser considerados, pelos mais entusiastas, fortalezas. Tanto que no agregador de críticas Rotten Tomatoes é discrepante a opinião de crítica e público – o primeiro grupo deu 48% de aprovação a "Wish", enquanto o segundo 81%.
A autorreferência, num filme que marca os 100 anos e que brinca com conceitos onipresentes na filmografia do estúdio responsável por fundar a animação como gênero cinematográfico em Hollywood, hoje sinônimo da máquina que é a indústria cultural americana, parece adequada ao se lançar um olhar menos crítico à obra.
Aceno para Hollywood
Fato é que "Wish", independentemente das opiniões, é a síntese perfeita do passado, presente e futuro da Disney. O longa viaja para trás principalmente ao se reapropriar de técnicas de animação em 2D, faz um retrato atual ao acenar para uma Hollywood com certo bloqueio criativo e olha para frente ao povoar sua história com personagens de diferentes cores, de ascendência hispânica e com deficiências.
Magnífico, o rei bonitão e tóxico, que manda e desmanda nos desejos alheios, é um tipo vilanesco como não se via há tempos nas animações do estúdio, lembrando até a onda de líderes populistas que tomou o mundo em anos recentes.
Ele contrasta com a protagonista Asha, mulher, jovem, questionadora e com uma ascendência que se perde entre a Europa mediterrânea e o Norte da África. A voz dele, no inglês original, é de Chris Pine; a dela, de Ariana DeBose.
É ela quem vai desafiar o status quo de Rosas. Antes fã do monarca, Asha cai em desilusão quando, ao fazer um teste para ser sua aprendiz, descobre as verdadeiras intenções de Magnífico com os desejos que acumula – aumentar seu controle e poder. Com a ajuda do bode Valentino e da luz etérea Estrela, ela descobre ser capaz, também, de manipular magia.
Teatro musical
"Wish" é recheado de músicas no melhor estilo Disney dos anos 1990, seguindo a cartilha que lançou a chamada Renascença Disney, quando longas como "A Bela e a Fera" e "Aladdin" se apropriaram de elementos do teatro musical para repaginar o estúdio.
A fórmula já tinha voltado a ser explorada nos recentes e bem-sucedidos "Moana" e "Encanto", mas a reciclagem de "Wish" vai ainda mais além. É seu visual chapado e artesanal, afinal, que chama a atenção numa Hollywood dominada por desenhos em computação gráfica.
Um toque brasileiro
Diferentes técnicas de animação se combinam para contar a história de Asha, conferindo beleza e frescor à estética do filme. Um dos responsáveis pelos traços é o brasileiro Renato dos Anjos, figurinha carimbada no estúdio e que já desenhou para "Mundo Estranho", "Zootopia", "Detona Ralph" e "Enrolados".
"As artes têm várias formas, mas eu penso em mim como animador 2D, porque essa é a minha formação, e também a do estúdio", diz ele. "‘Wish’, obviamente, tem um 2D muito mais sofisticado, porque faz anos que estamos experimentando com técnicas e texturas diferentes, mas é uma combinação de tudo o que já fizemos na Disney."
“WISH: O PODER DOS DESEJOS”
Direção de Chris Buck e Fawn Veerasunthorn. Em cartaz nas redes Cineart, Cinemark, Cinépolis e Cinesercla, além do Una Cine Belas Artes.