Em "Dogman", Caleb Landry Jones interpreta o desajustado Doug, que é acolhido por cães -  (crédito: Luc Bresson/Production)

Em "Dogman", Caleb Landry Jones interpreta o desajustado Doug, que é acolhido por cães

crédito: Luc Bresson/Production

É um bocado difícil que um filme sobre o amor entre o ser humano e os cachorros não desperte pelo menos algum traço de afeição no espectador, por mais estúpido que o longa eventualmente seja. Mas “Dogman”, dirigido pelo francês Luc Besson, por vezes chega bem perto de infringir essa regra, apesar da simpática presença de vários cãezinhos fofos, inteligentes e fiéis a toda prova ao seu dono. 

Mas tirando as criaturinhas de quatro patas, não resta muita coisa digna de nota neste novo trabalho de Besson, cuja carreira andou fortemente ameaçada nos últimos anos, após um processo por denúncia de estupro. 

A Justiça francesa já o inocentou, reduzindo um pouco a mácula sobre sua reputação pessoal. A profissional, no entanto, segue com a mancha acumulada por décadas de filmes de qualidade duvidosa, e “Dogman” nada mais faz que contribuir para sua persistência. 

O longa narra a história de um sujeito que se decepciona tanto com o resto da humanidade que se isola e prefere morar com seus cachorrinhos. Até aí, tudo bastante compreensível, mas a trama é de uma fragilidade e de um descompromisso com alguma discussão mais séria que nem a única razão não canina para ver o filme – a boa performance de Caleb Landry Jones – consegue prover alguma solidez ao todo.

 Cria da brutalidade

Jones interpreta o desajustado Doug, que teve uma infância brutal, em um lar em que seu pai e seu irmão mais velho o agrediam de forma cruel, tratando-o literalmente como um bicho. A mãe até tenta ajudar o garoto quando pode, mas é outra a sofrer nas mãos dos dois fazedores de bullying da casa. 

Chega a um ponto em que Doug perde o movimento das pernas após uma agressão, e o único acolhimento que recebe é de cães, que ganham sua devoção para sempre. 

Com vários traumas e problemas de mobilidade devido à violência que sofreu, Doug vai crescendo com propensão à marginalidade. Sua capacidade de amar é toda voltada aos seus cachorros, com os quais passa a ter tamanho poder comunicativo que se entendem quase que telepaticamente. 

Já adulto, passa a ter o hábito de se vestir de drag queen e de se apresentar em casas noturnas. Para aumentar os ganhos, conta com a ajuda dos amiguinhos caninos na prática de roubos bastante sofisticados. O longa começa quando, um dia, é flagrado em plena ação e vai parar na cadeia, onde uma psiquiatra criminal tenta compreendê-lo, ouvindo atentamente a sua história. 

 

 

 

O filme é confuso e meio preguiçoso ao tomar algumas decisões dramatúrgicas. A questão do gosto de Doug por se maquiar e se vestir com trajes femininos, por exemplo. O longa sugere que é mera tentativa de criar uma persona que o faça se sentir menos infeliz consigo mesmo – um personagem criado para Doug conseguir suportar melhor a vida. 

Mas é um procedimento que soa meio barato, como uma derivação mal alinhavada do personagem de Joaquin Phoenix em “Coringa” – ou, na melhor das hipóteses, estratégia pueril de conferir ao longa ares de modernidade, com um personagem que não se fixa em nenhum gênero tradicional. 

Fisicamente, Jones tem alguma coisa do Macaulay Culkin adulto, mas com presença cênica mais sombria, ou pelo menos mais nuançada. É improvável que, na infância, ele conquistasse famílias mundo afora na pele do adorável pestinha Kevin dos filmes “Esqueceram de mim” – provavelmente as travessuras feitas por ele pareceriam perversas além da conta. Mas esse aspecto dúbio em sua figura o torna um ator de destaque. 

Teatro macabro 

A maneira expressionista como Besson explora a máscara facial de Jones desvia o foco do espectador. Os traços já naturalmente marcantes do ator se tornam ainda mais fortes debaixo da maquiagem carregada que ele utiliza, então quando Jones contorce os músculos da face e começa a falar de seus dramas, sua figura perde qualquer humanidade e se torna quase que um personagem em estilo teatro macabro Grand Guignol.

Poderia até surtir um efeito de estranhamento interessante, mas a verdade é que se trata simplesmente de um desacerto visual. 

Mas, apesar de tudo... há os cachorros. E, apesar da tolice generalizada, o filme tem alguns momentos genuinamente divertidos mostrando os cães agindo em equipe, em defesa de seu dono. Ali, eles salvam o protagonista, mas também estão salvando o filme.

“DOGMAN”

França, 2023. Direção de Luc Besson. Com Caleb Landry Jones, Jojo T. Gibbs e Christopher Denham. Em cartaz no Cinemark do BH Shopping, nas salas 4 (22h) e 10 (21h20).